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60 Anos de Telenovela - Do Melodrama Latino a uma Identidade Própria

Nilson Xavier

21/12/2011 06h00

A TV brasileira foi inaugurada em setembro de 1950: TV Tupi de São Paulo. As primeiras produções dramatúrgicas foram os teleteatros – como o Grande Teatro Tupi e o TV de Vanguarda. A primeira telenovela estreou mais de um ano depois da inauguração da TV: no dia 21 de dezembro de 1951. Foi Sua Vida Me Pertence, ainda ao vivo – já que não existia videoteipe na época -, apresentada em 15 capítulos de 20 minutos de duração cada, exibidos duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, às 20 horas. A história da paixão da moça pelo homem que desdenha o seu amor mostrou o primeiro beijo da TV brasileira: um inocente "selinho" entre os atores Wálter Forster e Vida Alves.

Wálter Forster e Vida Alves em Sua Vida Me Pertence

Esta primeira fase de nossas novelas deixou poucos registros, já que elas eram apresentadas ao vivo. Na verdade, as telenovelas dos primeiros dez anos da televisão não passavam da transposição para a TV do que se fazia no rádio, as radionovelas. Por causa das deficiências por apresentar uma história ao vivo, as produções geralmente tinham poucos personagens, com uma história central apenas em um ou dois cenários.

Os textos eram em sua maioria adaptações de clássicos da literatura brasileira e mundial, ou adaptações de textos importados da América Latina. Esses textos já faziam sucesso no rádio e, com o surgimento da TV, migraram para o novo veículo. Eram histórias essencialmente românticas, calcadas no folhetim, e o público alvo era o feminino, as donas de casa. Os responsáveis por estas produções não eram as emissoras, mas os anunciantes, como a Colgate-Palmolive e a Gessy-Lever. Por isso as novelas eram conhecidas como "soap-operas", óperas de sabão, nos Estados Unidos. Ou seja, histórias que visavam o público feminino, patrocinadas por fabricantes de produtos de limpeza ou pela indústria cosmética.

Com o surgimento do videoteipe houve uma verdadeira revolução na televisão. A telenovela, caracterizada por uma história seriada apresentada duas ou três vezes por semana, não conseguia fidelizar sua audiência. A partir do momento em que a novela passou a fazer parte de uma grade horizontal – ou seja, a ser apresentada diariamente, em um mesmo horário -, criou-se o hábito no telespectador de "seguir", "acompanhar" aquela história todos os dias.

A primeira novela diária foi apresentada na TV Excelsior, em 1963. Chamava-se 2-5499 Ocupado, um texto argentino adaptado por Dulce Santucci, com Tarcísio Meira e Glória Menezes como protagonistas. Os primeiros sucessos foram escritos por Ivani Ribeiro, em 1964, adaptados de originais latinos: Alma Cigana, apresentada na Tupi, com Ana Rosa e Amilton Fernandes, e A Moça que Veio de Longe, na Excelsior, com Rosamaria Murtinho e Hélio Souto.

Nathalia Timberg e Amilton Fernandes em O Direitro de Nascer

No final de 1964, a TV Tupi de São Paulo lançou O Direito de Nascer, adaptação de Talma de Oliveira e Teixeira Filho de um original cubano – o primeiro marco da teledramaturgia nacional. A apresentação do último capítulo causou uma comoção generalizada, já que foi feita uma festa em São Paulo, no Ginásio do Ibirapuera, com a presença do elenco, onde a população compareceu em massa. No dia seguinte, a façanha se repetiu no Rio de Janeiro, no Maracanãzinho. Os estádios superlotados davam uma mostra do poder das novelas sobre o povo. E que elas eram a maior produção de arte popular da nossa TV.

Os executivos de televisão entenderam esse poder e passaram a investir decisivamente no gênero. Mas a telenovela ainda estava presa à sua origem radiofônica, aos dramalhões latinos, e, portanto, alvo de críticas e considerada um produto menor. Na segunda metade da década de 60, iniciou-se nas emissoras um movimento para nacionalizar o gênero, libertando-o de suas origens latinas. Ivani Ribeiro, Geraldo Vietri e Lauro César Muniz foram os primeiros novelistas a incluir em suas obras características próprias de um estilo mais brasileiro.

A grande reviravolta se deu em 1968. Cassiano Gabus Mendes, então diretor artístico da Tupi, apostou suas fichas em uma novela que abandonasse totalmente o estilo latino e fizesse uso de coisas essencialmente nacionais em sua história. Cassiano concebeu, Bráulio Pedroso escreveu e Lima Duarte dirigiu Beto Rockfeller, considerada um divisor de águas na história da nossa Teledramaturgia. A partir de então, todas as emissoras passaram a seguir este padrão, que tornou a telenovela brasileira um produto único no mundo.

Luiz Gustavo e Bete Mendes em Beto Rockfeller

Sessenta anos depois, muita coisa mudou na nossa TV, principalmente a telenovela. Ela começou tímida, ao vivo, passou a ser diária, mudou de formato, ganhou brasilidade e características próprias que a difere da teledramaturgia dos demais países. E a telenovela é ainda – há mais de quarenta anos – o produto de maior audiência da TV brasileira.

Relembre algumas das novelas clássicas – até a década de 90 – que fizeram história na nossa TV!

2-5499 Ocupado (Excelsior, 1963): primeira novela diária, já em videoteipe.

O Direito de Nascer (Tupi, 1965): apesar do texto importado, essa produção brasileira foi a primeira a causar comoção popular.

Redenção (Excelsior, 1966/1968): a mais longa novela brasileira: 596 capítulos, praticamente 2 anos no ar. Primeira cidade cenográfica construída especialmente para uma novela. Reproduzia a fictícia cidade de Redenção e foi construída em São Bernardo do Campo onde hoje funciona o Museu da TV, inaugurado recentemente.

Antônio Maria (Tupi, 1968/1969): o maior sucesso do autor-diretor Geraldo Vietri, foi uma das primeiras a se libertar do ranço dos melodramas importados.

Beto Rockfeller (Tupi, 1968/1969): primeira novela a abolir definitivamente a linguagem dos melodramas latinos e a incorporar a realidade brasileira, modelo que passou a ser seguido a partir de então por todas as emissoras.

Irmãos Coragem (Globo, 1970/1971): primeiro grande sucesso da Globo.

Selva de Pedra (Globo, 1972): famosa pelo registro dos 100% de audiência na cidade do Rio de Janeiro durante a exibição do capítulo 152, em 04/10/1972.

O Bem Amado (Globo, 1973): primeira novela brasileira em cores, sucesso de crítica e público.

Mulheres de Areia (Tupi, 1973/1974): de Ivani Ribeiro, seu maior sucesso popular.

Pecado Capital (Globo, 1975/1976): considerada pela crítica especializada a melhor novela de Janete Clair.

Escrava Isaura (Globo, 1976/1977): a mais famosa novela brasileira no exterior por ter sido uma das mais vendidas.

Dancin´ Days (Globo, 1978): o primeiro sucesso de Gilberto Braga no horário nobre. Ditou moda e espalhou discotecas pelo Brasil na época.

Guerra dos Sexos (Globo, 1983): criou um novo padrão para o horário das sete da Globo e foi uma das bases para a inovação do humor na TV brasileira na época.

Roque Santeiro (Globo, 1985/1986): um dos maiores êxitos da TV brasileira, sucesso de público, crítica e faturamento.

Vale Tudo (Globo, 1988): perfeita combinação entre folhetim e crítica social ao Brasil do final dos anos 80.

Que Rei Sou Eu? (Globo, 1989): microcosmo do Brasil retratado num fictício reino medieval.

Tieta (Globo, 1989/1990): sucesso arrebatador de Aguinaldo Silva.

Pantanal (Manchete, 1990): sucesso de Benedito Ruy Barbosa que quebrou a hegemonia da Globo.

Teste seus conhecimentos sobre 12 novelas clássicas que maracaram a nossa TV.

Entrevista especial: Lauro César Muniz "Acho um absurdo quererem impedir que haja gays nas novelas!"

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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