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Aguinaldo Silva no Roda Viva: “A telenovela é tratada com profundo desdém pela mídia.”

Nilson Xavier

16/03/2012 07h30

Na segunda-feira, 12/03, participei do programa Roda Viva, na TV Cultura, em que o novelista Aguinaldo Silva foi entrevistado. Além de mim, o autor de Fina Estampa foi sabatinado por Mário Sérgio Conti (apresentador do programa), Mauricio Stycer (repórter e crítico de televisão do UOL), Cristina Padiglione (editora e colunista de TV do jornal O Estado de São Paulo), Katia Mello (gerente de conteúdo da TV1 Eventos) e Raimundo Rodrigues Pereira (diretor da revista Retrato do Brasil).

Diferente da postura em seu blog e no Twitter, Aguinaldo mostrou-se uma pessoa calma, serena, de fala mansa e baixa e muito simpática. Questionei se ele usava um personagem nas redes sociais e ele afirmou que não faria um blog apenas para descrever o seu dia a dia. "Todos criam uma persona na Internet! (…) É um personagem, aquilo não sou eu. Quem me conhece sabe que eu não sou assim".

Gostei bastante do programa, mesmo porque – e até comentei com Aguinaldo – não me lembrava de já tê-lo assistido em alguma entrevista na TV. Durante mais de uma hora e meia, ele falou – entre coisas cosas – do sucesso e dos bastidores de Fina Estampa, de sua carreira antes da televisão, quando era jornalista e repórter policial, de como cria seus personagens, de seu restaurante e sua pousada, de Portugal, do politicamente correto, da censura que já sofreu e que ainda sofre, da nova classe C, de sua desavença com Walcyr Carrasco, de novelas x seriados, de seu futuro na Globo (seu contrato vai até setembro de 2014), de sua imagem na Internet e de sua relação com a mídia em geral.

Sobre o final de Fina Estampa, Aguinaldo revelou apenas que a vilã Tereza Cristina (Christiane Torloni) não morrerá nem será presa, e que Baltazar (Alexandre Nero) não é o amante de Crô (Marcelo Serrado). O mote central da novela – "o que vale mais, o caráter ou a aparência?", que fora abandonado no decorrer da trama – será retomado quando Griselda (Lília Cabral) discursar sobre ética na formatura do filho Antenor (Caio Castro). Ele confirmou ainda que a Barra da Tijuca não será varrida do mapa com um tsunami, como já fora anunciado.

Desenhos do cartunista Paulo Caruso

Aguinaldo disse que alguns personagens da novela são como personagens de desenho animado: "As crianças adoram o Crô porque ele é o Pica Pau! (…) E Tereza Cristina é o Tom" (da dupla Tom & Jerry). Perguntado se algum personagem de Fina Estampa ficará para a posteridade, Aguinaldo respondeu: "O Crô, para a infelicidade dos gays [que criticam o personagem]".

Questionado sobre sua melhor novela, o escritor primeiro deu uma resposta clichê: "É sempre a última!". Ao final do programa, ele reconheceu: "É Tieta! A primeira que escrevi depois do fim da censura. Pude me permitir coisas que não podia antes".

Sempre achei estranho Aguinaldo Silva ter sido supervisor de texto de Bosco Brasil em Tempos Modernos (trama das 7 horas, de 2010) pelo fato da novela não ter absolutamente nada a ver com o seu universo ficcional (a trama era ambientada em São Paulo e, no início, tinha uma "pegada" de ficção científica). Perguntei a ele qual foi a sua efetiva participação na novela, no que Aguinaldo respondeu: "Praticamente nenhuma! Porque nada na novela tinha a ver comigo".

Questionei também se Aguinaldo não tem mais interesse em fazer novelas regionalistas. Sua resposta: "Vou te contar um segredo: eu continuo fazendo novelas rurais! Eu uso um truque: finjo que faço novela urbana! Você acha que aquilo é a Barra da Tijuca [cenário de Fina Estampa]? Não é! É uma cidadezinha do interior!"

Para Aguinaldo, os autores de novelas das 21 horas da Globo estão em extinção, porque escrever novela exige muita disciplina, que só os veteranos têm. Ele chama os novelistas veteranos remanescentes no horário de "as cinco últimas ararinhas azuis", a saber: ele, Gilberto Braga, Glória Perez, Manoel Carlos e Silvio de Abreu. E João Emanuel Carneiro, "um jovem autor de 40 anos".

Abaixo transcrevo algumas de suas melhores frases no programa.

"Os gays que abominam o Crô anseiam por parecerem heterossexuais."

"Todas as pesquisas indicam que as pessoas não querem ver o beijo gay [na novela]. Dependendo de mim, beijo gay só na minha casa!"

"Crítico é uma pessoa que entende e gosta de televisão. Em primeiro lugar tem que gostar de televisão!"

"A telenovela é tratada com profundo desdém pela mídia."

"Não me interessa falar de jornalistas sérios, porque eles são irretocáveis. Me interessa falar dos que não são sérios, porque eles existem. A gente sabe que existem jornalistas assim, principalmente cobrindo televisão."

"Novela é entretenimento, não é arte. Porque é uma obra coletiva."

"Sempre comparo novela com jornal de ontem: quando acaba, some da mente das pessoas. Não existe nada mais antigo do que jornal de ontem."

"O brasileiro gosta mais de novelas do que seriados porque não temos bons seriados. (…) Temos muito que aprender com os americanos. (…) Acho que a linguagem dos seriados [nacionais] ainda é antiga."
"Tentei fazer algo novo
[sobre Lara com Z], não sei se consegui. Tenho que reconhecer que eu tenho os vícios da novela. Então meus seriados sempre acabam ficando no meio termo entre o seriado e a novela."

 "Quando tinha a Censura [oficial] era mais divertido, porque as regras do jogo eram muito claras."

"A novela não é minha, é do produtor [da emissora]. Mas você é o senhor da novela – sinto que nós somos o lado negro da história, e isso é perigoso! Se pudesse fazer novelas sem autor, seria melhor."

O brasileiro não se preocupa com spoiler "porque mesmo sabendo o que vai acontecer, o público quer saber como vai acontecer."

"Entrego uma sinopse que dura no máximo 80 capítulos. Depois, seja o que Deus quiser!"

 "Eu ainda tenho muitas histórias para contar. Não estou interessado em remakes."

"Se eu posso fazer propaganda de uma peça de teatro, por que não posso fazer de minha pousada?"

Assista abaixo a entrevista na íntegra (vídeo do Youtube).

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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