Topo

Discurso doutrinário fez “Amor Eterno Amor” parecer uma novela de autoajuda

Nilson Xavier

08/09/2012 12h56

Amor Eterno Amor, a novela das seis da Globo que terminou na sexta-feira (07/09), apresentou uma trama folhetinesca diluída em um discurso filosófico e doutrinário que a deixou com cara de "novela de autoajuda". Para intensificar seu caráter religioso, o maniqueísmo – representado pela luta do bem contra o mal – esteve onipresente durante toda a trama. Os maus, extremamente maus: Melissa (Cássia Kis Magro) parecia uma bruxa de desenho animado, inclusive na caracterização – o que deixou a personagem até bastante interessante. Os bons, tão bons e politicamente corretos que soaram chatos – o que dizer de Clara, a clarividente menina vivida por Klara Castanho?!

De um lado, os representantes do mal, o "lado negro da força". Do outro, os mocinhos, que difundiam temas espiritualistas – na verdade um mix de teorias filosóficas recheadas com kardecismo, fenômenos paranormais, crianças índigo, vidas passadas, sessões de regressão, clarividência, experiência de quase morte, anjos, mantras, rezas, e toda uma sorte de assuntos esotéricos impostos ao telespectador de forma didática e unilateral. A autora limitou-se a apresentar os temas, mas a discussão aprofundada não interessou à trama da novela. Tanto que o personagem cético, o médico Gabriel (Felipe Camargo) – que deveria representar o contraponto com as filosofias difundidas -, sucumbiu ao discurso religioso da novela ao final.

Qual o problema disso tudo? Nenhum, a partir do momento em que as filosofias apresentadas na história trabalhem em prol da trama folhetinesca da novela. Amor Eterno Amor até que teve uma história de amor bem amarrada e coerente. O "amor que transcende a vida" é um clichê batidíssimo, mas inegavelmente irresistível. Misturar religião com romance pode ser uma boa receita: quando bem feito, cativa o telespectador mais sensível.

Mas Elizabeth Jhin exagerou na dose religiosa de sua novela. Impor uma doutrina em detrimento à história romântica pode levar ao didatismo monótono. E foi o que se viu em algumas sequências. Esta é a principal diferença entre Amor Eterno Amor e a novela anterior de Jhin, Escrito nas Estrelas, de 2010, onde, ao contrário, a religião serviu apenas de pano de fundo para a trama central. O principal problema de novelas que levantam bandeiras religiosas é quando a discussão é unilateral. Pode agradar alguns, pode não agradar a todos.

Lamenta-se também a morosidade com que as tramas foram desenvolvidas. A autora levou a metade da novela para apresentar a antagonista no amor entre os mocinhos Rodrigo e Míriam (Gabriel Braga Nunes e Letícia Persiles). Antes da chegada da falsa Elisa (Mayana Neiva), o empecilho para o romance do casal era Valéria (Andreia Horta), mas um conflito que nem existia, já que Rodrigo não era apaixonado por ela. Elisa representou de fato uma ameaça para o amor dos protagonistas e foi a partir daí que a novela começou a andar.

Mas a chegada de Elisa/Amparo não quer dizer que Amor Eterno Amor tenha ganhado agilidade. A novela das seis só apressou sua história no último mês de exibição. Não apenas a trama principal, mas a novela como um todo. Os meses que antecederam foram passando e as tramas paralelas patinaram junto com a história central, o que afugentou o telespectador acostumado às tramas ágeis das novelas das sete e nove horas (Cheias de Charme e Avenida Brasil).

O elenco merece alguns destaques. Elogiar Cássia Kis Magro virou lugar comum. A atriz se reinventa de uma forma impressionante a cada papel. Também um trabalho muito curioso de Osmar Prado, como Virgílio, mais um tipo inusitado na carreira do ator. Os embates entre Melissa e Virgílio ("Dana Miliiiçaaa!") eram incríveis. Grande momento da veterana atriz Denise Weinberg, como Angélica, a sofrida mãe de criação de Rodrigo. Daniela Fontan iluminou a novela com sua matuta Gracinha, uma personagem deliciosa. Andréia Horta viveu um de seus melhores trabalhos em TV, como a passional Valéria. E a ótima Vera Mancini também merece citação, apesar de sua Carmem ter diminuído a partir da segunda metade da trama.

A ótima direção da equipe de Rogério Gomes, aliada à bela fotografia com imagens do Pará também foram um diferencial. Pena que o Pará sumiu da novela quando todo o núcleo do Marajó migrou para o Rio de Janeiro e foi parar no Edifício São Jorge – onde havia um núcleo que tentou fazer humor, sem sucesso.

A audiência manteve-se mais ou menos dentro do esperado, similar às novelas anteriores no horário. A repercussão nas redes sociais foi fraca: apenas o primeiro capítulo teve hashtags (palavras-chave) entre os TT´s do Twitter (Trending Topics, os assuntos mais comentados).

Elizabeth Jhin prometeu uma trilogia de "novelas espiritualistas". Esperamos que a próxima seja mais Escrito nas Estrelas e menos Amor Eterno Amor.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

Blog do Nilson Xavier