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“Cheias de Charme”: repercussão foi maior que a audiência

Nilson Xavier

28/09/2012 19h47

Cida, Penha, Rosário, Fabian e Chayeme (Foto: TV Globo)

Pense numa novela porreta!

Vereda Tropical
Virou lugar comum elogiar Cheias de Charme, a novela da Globo que terminou nesta sexta-feira (28/09). Marcada pelo humor, criatividade e originalidade, talvez o maior mérito da trama tenha sido trazer de volta ao horário das sete um modelo de novela que a Globo consagrou na década de 1980, mas que foi sendo alterado com o passar dos anos e há muito não se via mais no horário: a comédia que parodia os pequenos dramas humanos, através de personagens cativantes, tramas alegres intercaladas com o mais puro dramalhão. Foi um formato que começou a ser moldado com Cassiano Gabus Mendes e teve seu ápice com Silvio de Abreu e Carlos Lombardi, e a dupla de diretores Jorge Fernando e Guel Arraes (vide Elas por Elas, Guerra dos Sexos, Vereda Tropical, Ti-Ti-Ti, Cambalacho, Brega e Chique, Sassaricando, Bebê a Bordo e Que Rei Sou Eu?).

Elas por Elas
Adaptada para os dias de hoje – em que personagens ricos já não protagonizam mais novelas sozinhos -, a história de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira colocou três empregadas, cinderelas modernas, como estrelas às voltas com uma patroa fada madrinha, uma bruxa de desenho animado e sua fiel escudeira atrapalhada – respectivamente Penha (Taís Araújo), Rosário (Leandra Leal), Cida (Isabelle Drummond), Lygia (Malu Galli), Chayene (Cláudia Abreu ) e Socorro (Titina Medeiros ). Cada uma delas, dentro de seu drama ou humor, tinham trajetórias e sonhos diferentes. Esta foi a grande sacada dos autores: juntas deram margem a um leque de opções bastante abrangente afim de gerar identificação para uma gama maior de telespectadores.

Que Rei Sou Eu?
Há alguns anos, via-se a Internet como uma concorrente da TV aberta. Um fenômeno de repercussão, Cheias de Charme teve o mérito de aliar-se à sua concorrente, tirando proveito da Internet (Se não pode contra ele, junte-se a ele!). A novela foi pioneira na ação de transmedia (como o lançamento do clipe das Empreguetes primeiro na Internet, depois na novela), abusou da própria programação da casa (os personagens foram vistos no Caldeirão do Huck, Encontro, Mais Você, Domingão do Faustão e outros), na citação às outras novelas (teve até propaganda de Guerra dos Sexos no penúltimo capítulo), e no uso dos cantores da trilha, que se apresentaram com os personagens-cantores fictícios. Isso sem falar nos produtos licenciados lançados no rastro de seu sucesso – ainda que se lamente o fato da Globo não ter posto no mercado o CD com as músicas cantadas pelas Empreguetes, Chayene e Fabian, ou o DVD com os clipes e shows deles.

Brega e Chique
A indústria do entretenimento real misturou-se ao entretenimento da ficção. O colorido dos shows de technobrega inspiraram os cenógrafos, figurinistas e diretores de arte da novela. Nunca o "sou brega, mas tô na moda" esteve tanto em evidência. A identidade visual deu o tom que o roteiro exigia, encheu os olhos, e juntamente com a história – um conto de fadas moderno – criou a empatia necessária para cativar os telespectadores de todas as idades. Não por acaso, a novela conquistou o público infantil, inclusive.

Laércio, Socorro e Chayene (Foto: TV Globo)

Cambalacho
As grandes estrelas de Cheias de Charme foram Cláudia Abreu e (a revelação) Titina Medeiros, nas peles das vilãs Chayene, a cantora invejosa e sem noção, e sua fã Socorro, a personal-curica desastrada. Juntas, protagonizaram as mais divertidas cenas, em meio a confusões, chá de ferra-goela, escorregadas no português, troca de nomes (Rosalba, Roxana, Rosilda, Rosiranha), e expressões que caíram na boca do povo (como "curica" e "amadinha").

Sassaricando
Em contrapartida, é difícil falar da novela e deixar de lado os entrechos românticos e dramáticos, muito bem amarrados pelo texto afiado dos autores. Taís Araújo e Malu Galli brilharam com suas personagens. Penha, a mais pé no chão das empreguetes, mulher do povo, batalhadora, às voltas com um marido malandro (Sandro, um dos melhores papeis de Marcos Palmeira). Lygia, do outro lado, representante das patroetes, mas igualmente uma batalhadora. Para completar, vilões bem defendidos por Tato Gabus Mendes (Sarmento) e Alexandra Richter (Sônia), e o lado romântico, com Cida (Isabelle Drummond), uma cinderela dividida entre um príncipe que era um sapo (Conrado, Jonatas Faro) e um sapo que era um príncipe (Elano, Humberto Carrão). Também Rosário de Leandra Leal – que chegou a ganhar a antipatia do público por preferir a carreira em detrimento ao amor ao lado de Inácio (Ricardo Tozzi – destaque também como o caricato Fabian).

Ti-Ti-Ti
Cheias de Charme não foi nenhum grande fenômeno no Ibope: sua média geral deve fechar em 30 pontos, o que é o esperado para o horário (a mesma média de Ti-Ti-Ti e Morde e Assopra, de 2010-2011). Mas este é um fenômeno das novelas atuais: Cheias de Charme e Avenida Brasil são a prova de que audiência e repercussão nem sempre andam juntas – apesar da enorme repercussão, os números são ótimos, mas não excelentes. Uns culpam o início do Horário Político. Talvez o caso de Cheias de Charme seja o reflexo do único ponto negativo que a novela teve: a perda de agilidade em sua narrativa após o sucesso das Empreguetes como cantoras. A novela ficou dividida em duas partes: antes da formação das Empreguetes e depois. Mal acostumado com a história ágil da novela, o público se viu de repente em meio a uma trama que se arrastou até o final e cansou alguns. Reviravoltas pontuais e o carisma de Chayene salvaram a novela de um estrago maior.

Bebê a Bordo
A próxima novela, Guerra dos Sexos, que estreia segunda-feira (01/10), terá a difícil missão de manter não somente a audiência de Cheias de Charme, mas também a sua repercussão. Guardadas as devidas proporções, comparei aqui a linha dramatúrgica de Cheias de Charme com a das novelas da década de 1980. Resta saber se a trama deste remake de Guerra dos Sexos é compatível com os dias atuais, em que as mulheres ocuparam muito do espaço que reivindicavam no passado. Hoje são até capazes de virar empreguetes estrelas da música popular.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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