Topo

“Avenida Brasil”: uma tragédia grega no subúrbio carioca

Nilson Xavier

20/10/2012 12h40

O Divino é aqui

Muito já foi falado e muito já se especulou sobre o fenômeno da repercussão de Avenida Brasil, a novela que terminou na sexta-feira (19/10). Não existe uma resposta apenas. Costumo dizer que esse sucesso todo se deve a uma soma de fatores muito positivos. Não vou discorrer sobre o que já foi fartamente discutido, sobre o que todos já sabem. É lógico que Avenida Brasil tinha uma direção espetacular – cinematográfica, em cenas, tomadas e fotografia – e de elenco – um grupo de atores brilhantes que, aliados ao bom texto, deram vida a vários personagens carismáticos e de forte apelo popular.

Avenida Brasil é um exemplo raro de nossa televisão da "novela certa na hora certa". Não houve na história recente deste país uma telenovela que aproveitou tão bem a situação socioeconômica para refletir na tela um retrato pitoresco de nossa realidade contemporânea. Pode-se dizer que o fictício bairro do Divino é um microcosmo do Brasil e foi responsável por toda essa catarse que levou diariamente milhões de brasileiros à frente da TV e que repercutiu nas ruas e na Internet. Mais uma vez – como em poucos exemplos em nossa Teledramaturgia – o brasileiro se viu refletido na telenovela.

A "nova classe C" retratada na trama fisgou todas as classes. Como em um jogo de certo ou errado, o autor brincou com as nuances simbólicas de ricos e pobres, elaborando uma crítica social muito pertinente, seja através da grã-fina da Zona Sul que faz pouco caso da figura do suburbano, ou no velho-pobre novo-rico que zomba do velho elitismo. Da língua ferina de Verônica (Débora Bloch) ouvimos todo o discurso preconceituoso contra pobres que as regras do politicamente correto nos brecam. Ao mesmo tempo em que Carminha (Adriana Esteves) debochou ao fazer pouco caso dos pratos refinados da chef Nina (que ganhou um apelido pejorativo: Maria Antonieta), e do intelectualismo tardio de Tufão (Murilo Benício) – que lia livros indicados por Nina (Débora Falabella).

"TV vs. Internet" ou "TV + Internet"?

A telenovela sempre acompanhou a evolução da sociedade, seja apresentando temas da ordem do dia, seja aglutinando as novas tecnologias que foram surgindo, ou aliando-se a elas. A Internet já foi vista como um bicho-papão da televisão (como outrora se acreditou que a TV seria uma ameaça para o cinema). Com Avenida Brasil ficou mais do que provado que a Internet pode ser uma aliada da telenovela. Se antigamente a novela em tempo real era discutida apenas no âmbito familiar, hoje em dia ela tem o poder de unir todas as famílias para acompanhar juntas as emoções e discutir em tempo real o que acontece na telinha.

Avenida Brasil foi a primeira novela coqueluche da Internet. Que o digam os memes referenciando a trama, a cascata diária de "oioiois" no Twitter e as inúmeras charges engraçadinhas no Facebook. Hoje já não se espera mais o dia seguinte para comentar a novela com o vizinho. É tudo em "real time", como se o telespectador fosse à janela gritar para os vizinhos o que achou de determinada cena. Avenida Brasil conseguiu reunir todas as noites milhões de brasileiros, ávidos em compartilhar opiniões, em um mesmo sofá, virtual. Os números do Ibope ainda interessam ao mercado. Mas a repercussão na Internet tem uma função maior: é formadora de opinião, tão influenciável quanto os velhos "group discussions" entre donas de casa organizados pelas emissoras.

Perda de agilidade e furos

Como se para atender a todos os públicos, Avenida Brasil reuniu vários estilos de dramaturgia em só produto. Transgrediu a fórmula do folhetim clássico ao apresentar uma história de vingança em detrimento a uma história de amor. Apresentou uma heroína torta, de personalidade dúbia: Nina foi capaz de roubar e enganar para atingir seus objetivos. A estética da novela a aproximou do cinema. A linguagem narrativa fez lembrar os seriados americanos. Os ganchos bombásticos cativaram e mantiveram o telespectador preso à trama – ainda não existe melhor maneira de fidelizar a audiência.

O ritmo alucinante da primeira metade de Avenida Brasil assustou o público: "uau, que novela é essa?". Lamenta-se apenas que a trama tenha perdido o fôlego na segunda metade para o final. Não houve "barriga" (aquele parte da novela em que nada acontece), haja vista os ganchos sempre fortes. Mas a história começou a dar voltas, a patinar, a enrolar o público. Foi quando se deflagrou o maior problema da novela: Nina ignorou métodos modernos de armazenamento de informações (naquela história toda do pendrive) e atitudes incoerentes e furos no roteiro não passaram despercebidos nem pelo telespectador mais distraído.

"É tudo culpa da Riiita", diria Carminha. É culpa do roteiro, disseram os telespectadores. É culpa das mídias sociais, que não deixam escapar nada, diriam os donos da novela. A legião apaixonada de fãs de Avenida Brasil não perdoa quando se sente subestimada. A internet tem esse poder: derruba uma obra com a mesma força que enaltece.

O último capítulo

A história de Avenida Brasil terminou na semana em que Nina foi vingada (através de Max) e Carminha foi expulsa da mansão de Tufão. Pelo menos a história apresentada desde o início da novela, a da vingança de Nina contra Carminha. Pena que Nina não esteve de corpo presente na sequência em que Carminha caiu em desgraça. Nina acendeu a pólvora e Max levou o pavio para explodir na casa de Tufão.

A última semana de Avenida Brasil serviu como epílogo da novela. Com uma semana para terminar, vimos novos entrechos virem à tona. O assassinato de Max explicou a origem dos personagens do lixão e os elos que os ligavam. O batido clichê do assassinato incomodou. Mas, na realidade, saber quem matou Max foi apenas o pano de fundo para explicar a origem da "família Lixão".

De repente, Carminha despiu-se de suas roupas brancas (a máscara havia caído, ela não tinha mais a quem enganar, podia vestir cores escuras tal qual sua alma) e começou a agir de uma forma que não estávamos acostumados. Aquela não era a velha Carminha, arrogante, má, despudorada, debochada, que havia conquistado fãs. Causou estranhamento. Principalmente quando ela começou a dar indícios de que havia se regenerado. É quando aparece um novo vilão: Santiago (um Juca de Oliveira muitos tons acima) – um falso Gepeto que sugeria ter molestado o Pinóquio.

O último capítulo desconcertou quem esperava o retorno da Carminha má e o gran finale entre Nina e a megera. A princípio, pareceu pouco criativo, ou lógico demais, Carminha ter salvado Tufão e Nina da morte e se revelado a assassina de Max. Mas o tom de tragédia grega – que o autor mesclou tão bem com a caricatura do suburbano brasileiro – pedia um desfecho digno de toda esta resignação de Carminha. O autor não fez dela uma mártir, do tipo que salva a vida do amado se pondo em frente da bala. Nem lhe reservou a insanidade mental para justificar seus atos. Ou simplesmente a trancafiou em uma cela para dar a história por terminada. Carminha cumpriu pena, voltou para o lixão e teve o embate final com Nina. Sem gritaria e palavrões. Apenas com o olhar atravessado das relações mal resolvidas.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

Blog do Nilson Xavier