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Com estreia promissora, “Saramandaia” é a novela certa no momento certo

Nilson Xavier

25/06/2013 00h22

Cena de "Saramandaia" (Foto: Divulgação/TV Globo)

A Globo estreou sua nova novela das onze, "Saramandaia", excepcionalmente nesta segunda-feira, 24, após a novela das nove, "Amor À Vida" – a trama será exibida de terça a sexta-feira, após as 23 horas. E já se percebeu uma diferença gritante: saiu o melodrama cinza e entraram as cores da fotografia viva de "Saramandaia", com um universo mágico cuja caracterização remete a "Harry Potter" e à filmografia de Tim Burton.

A novela é uma reedição da clássica "Saramandaia", criada por Dias Gomes em 1976. Na trama original, o autor usou do realismo fantástico para alfinetar a ditadura militar que assolava o país. Atualmente, a nova novela, adaptada por Ricardo Linhares, foca o realismo fantástico para discutir a diversidade, através de uma cidadezinha fictícia onde acontecem os maiores absurdos. Homem que põe o coração pela boca, outro que solta formigas pelo nariz, o que criou raízes no chão, a que se derrete por amor e a que queima de tesão, a que vê galinhas onde não tem, o que vira lobisomem e o que esconde um par de asas. Como estabelecer um padrão de igualdade onde o diverso está em todo canto?

O mais curioso disso tudo é que a Globo – novamente por acaso – apresenta uma novela certa no momento certo. Exatamente quando, na vida real, explodem pelo país várias manifestações populares, e na noite em que a presidente Dilma sugere um plebiscito para reforma política, o primeiro capítulo apresenta uma manifestação comandada por jovens que querem um plebiscito para que se mude o nome da cidade de Bole-Bole para Saramandaia. A expressão "primavera saramandista", usada na trama (uma alusão à recente primavera árabe), veio a calhar no outono-inverno brasileiro. Em 1992, o movimento Caras Pintadas coincidiu com a exibição da minissérie "Anos Rebeldes", de Gilberto Braga, que recriava as manifestações contra a ditadura do final da década de 1960. Quer mais uma coincidência? O canal Viva começou a reexibir "Anos Rebeldes" em junho, antes das manifestações atuais começarem.

Vera Holtz, Gabriel Braga Nunes, Tarcísio Meira e Fernanda Montenegro em "Saramandaia" (Foto: Divulgação/TV Globo)

Coincidências à parte, a "Saramandaia" atual não tem pretensões políticas, mas promete tratar com presteza de alguns problemas que afloram na nossa sociedade atual, como a intolerância à diversidade. Em uma metáfora muito pertinente, o primeiro capítulo apresentou o jovem João Gibão (Sérgio Guizé, de "Sessão de Terapia"), que foi chamado de "esquisitão" e tem pavor que descubram que possui um par de asas, mas que anseia por liberdade, enquanto o velho Tibério Vilar (Tarcísio Meira), representante da velha guarda de coronéis repressores, de tanto tempo parado, criou raízes tão profundas que não consegue se mexer.  Logo João se livrará das amarras de seu gibão e voará para a liberdade, enquanto outros permanecem presos ao que paralisa. Dias Gomes deu seu recado há 37 anos e Ricardo Linhares endossa com a atualidade.

Compare o elenco da versão antiga de "Saramandaia" com o da nova.

O primeiro capítulo foi bonito, colorido, pitoresco, deu gosto de ver. Tudo muito bem feito, da abertura à trilha sonora – que trouxe a antiga "Pavão Mysteriozo", de Ednardo, para o deleite dos saudosistas.  "Saramandaia" promete ser daqueles remakes que valem a pena: ganhou uma produção à altura da original (melhor em alguns aspectos, como efeitos especiais, por exemplo), e uma história que, adaptada, reflete os dias de hoje: a cidade é pequena, mas tem caras pintadas nas ruas que se organizam pela internet. #MudaBoleBole #SaramandaiaJá #EssaPromete

Saiba mais sobre "Saramandaia" no site Teledramaturgia.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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