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Há algo de “Tieta” em “Império”

Nilson Xavier

14/08/2014 09h14

Cora (Drica Moraes) de

Cora (Drica Moraes) de "Império" carrega semelhanças com Perpétua (Joana Fomm) de "Tieta" (Foto: Divulgação/TV Globo)

E algo de "Suave Veneno", de "Senhora do Destino", de "Fina Estampa", e até de "A Indomada".

As semelhanças de "Império" com "Tieta" e outras tramas de Aguinaldo Silva

Não é raro um novelista se referenciar ou requentar antigas tramas e perfis de personagens já usados em trabalhos anteriores. Todos os grandes já bateram em uma mesma tecla mais de uma vez, de Ivani Ribeiro a Janete Clair, de Cassiano Gabus Mendes e Benedito Ruy Barbosa. Com Aguinaldo Silva, nem poderia ser diferente – ele, um dos mais populares autores de novelas de nossa televisão.

E Aguinaldo o faz abertamente. Vimos em "Fina Estampa" (2011-2012), sua última novela, a vilã Nazaré Tedesco – personagem de Renata Sorrah criada para "Senhora do Destino" (2004-2005) – ser citada mais de uma vez, inclusive com direito a morte na escada, o método criminoso preferido da malvada loura.

"Tieta" – que completou 25 anos de sua estreia no dia 14 de agosto – foi o primeiro grande sucesso com assinatura de Aguinaldo Silva – por mais que ele tivesse escrito a novela com a parceria de Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, e por mais que ele já tivesse escrito outros sucessos anteriormente – como "Roque Santeiro" (1985-1986), sinopse de Dias Gomes, escrita com ele, e "Vale Tudo" (1988), sinopse de Gilberto Braga, escrita com ele e Leonor Bassères. "Tieta" é considerada pelo próprio Aguinaldo como sua melhor novela, com o que concordo totalmente. Uma daquelas obras que marcaram a história de nossa TV.

Como um autor que revisita sua obra, Aguinaldo Silva traz em "Império" a releitura de uma personagem de "Tieta": Perpétua, imortalizada na televisão por Joana Fomm. Tirando a caracterização circense (sempre de roupa preta a cobrir totalmente o corpo, um penteado característico, xale e guarda-chuva em punho), tem muito da vilã Perpétua na megera-mor de "Império", Cora, vivida por Drica Moraes. Ambas são mulheres amargas, egoístas, desprovidas de empatia, mal amadas, secas por dentro, e que se escondem atrás de um verniz religioso para destilar veneno sem culpa.

Outra semelhança que lembrei: o personagem Téo Pereira (Paulo Betti), o blogueiro fofoqueiro de "Império", tinha em "Tieta" uma equivalente: Assuntinha Ferreira (Iara Jamra), a colunista fofoqueira dona do bordão "Assuntou assuntou, Assuntinha comentou!".

Sinto também um cheiro de "Senhora do Destino" em "Império", mais diretamente na figura dos protagonistas dessas novelas. Tanto Maria do Carmo (Susana Vieira) quanto José Alfredo (Alexandre Nero) construíram um "império" do nada, diante das adversidades da vida – ainda que os métodos de Zé Alfredo não tenham sido dos mais ortodoxos. Ambos chegaram ao alto da escalada social através de trabalho, que valorizam muito diante da prole que formaram, Maria do Carmo com quatro filhos e Zé Alfredo com três – todos muito diferentes entre si.

De "Fina Estampa", Aguinaldo tirou a caricatura do gay. O Crodoaldo Valério (o Crô), personagem de Marcelo Serrado, agora está na pele de Téo Pereira, vivido por Paulo Betti. Ambos, com todos os exageros que o tipo pode propiciar. De "A Indomada", Aguinaldo tirou o sobrenome da vilã desta novela, Altiva, interpretada por Eva Wilma. Em "Império", a pomposa Maria Marta (Lília Cabral) tem o sobrenome Mendonça e Albuquerque da malvada de Greenville, ainda que ambas não tenham nenhum grau parentesco.

Mas é "Suave Veneno" (1999) que carrega mais semelhanças com "Império". Livremente inspirada em "O Rei Lear", de Shakespeare, o protagonista de "Suave Veneno" era o nordestino Waldomiro Cerqueira (José Wilker), de origem humilde que enriquecera com a exploração de mármore – o que muito lembra o comendador José Alfredo de "Império", de mesma origem, que ascendeu com o comércio e exploração de pedras preciosas. Assim como Zé Alfredo, Waldomiro também é pai de três filhos – filhas no caso – onde uma é a preferida e uma outra é a ambiciosa que deseja para si o domínio dos negócios do pai. E, assim como Zé Alfredo, Waldomiro tem uma filha bastarda, cuja existência ele desconhecia.

De "Tieta" para "Império", Aguinaldo mudou seu estilo. A crônica de um Brasil muito regional, repleta de personagens carismáticos, deu lugar ao realismo de tramas urbanas. Foi uma década inteira se dedicando à mesma fórmula que deu certo em "Tieta" – vide "Pedra Sobre Pedra" (1992), "Fera Ferida" (1993-1994) e "A Indomada" (1997). Mas, apesar da mudança de cenário, Aguinaldo nunca deixou de ser, acima de tudo, um autor popular – vide o sucesso, também, de "Senhora do Destino" e "Fina Estampa".

As semelhanças entre personagens e trama de "Império" com outras novelas de Aguinaldo Silva não param aqui. Cite outras!

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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