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Melhor se "A Regra do Jogo" tivesse sido uma novela curta ou uma série

Nilson Xavier

11/03/2016 23h07

A morte de Romero (Foto: Divulgação/TV Globo)

A morte de Romero (Foto: Divulgação/TV Globo)

Era grande a expectativa para a nova novela de João Emanuel Carneiro – "o mesmo autor de 'Avenida Brasil"', como salientou a chamada de estreia. A missão, das mais difíceis: levantar a audiência do horário das nove da Globo, combalida com o mau desempenho de "Babilônia", a produção anterior, e estancar a fuga de público que preferiu naquele momento o escapismo de "Os Dez Mandamentos" na concorrência. Só que, dessa vez, a novela da dupla João Emanuel Carneiro e Amora Mautner (a diretora responsável) não aconteceu. Abaixo, listo 4 culpados.

Culpado 1: o público
Frente a crise política e social pela qual atravessa o país, o telespectador foi acusado de não querer ver na novela das nove nem a realidade nua e crua dos telejornais, nem a repetição da fórmula mau-caratismo/favela carioca/degradação dos valores morais (a mesma de "Babilônia"). A Globo, num plano de emergência, abortou a novela substituta, de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, por reconhecer em sua sinopse os mesmos ingredientes que supostamente afastaram o espectador das duas últimas produções, e, em seu lugar, escolheu o escapismo romântico e bucólico de Benedito Ruy Barbosa ("Velho Chico").

Culpado 2: início difícil
"A Regra do Jogo" pegou o horário com a audiência em baixa de "Babilônia" (25 pontos) e forte concorrência com o auge de "Os Dez Mandamentos". Em seu início, enfrentou o estranhamento do público, ante uma trama confusa, e rejeição por ser, novamente, uma história com favelas e calcada na realidade. Com o fim da atração da Record, a trama da Globo só foi deslanchar de verdade em seus últimos meses, conseguindo levantar a audiência – ainda que pouco, a bem da verdade: fecha na Grande São Paulo com uma média final acima dos 28 pontos no Ibope, superando "Babilônia" mas perdendo para as anteriores. O número é significativo se considerarmos que "A Regra do Jogo" pegou o horário com 25 pontos e está entregando com 38.

Culpado 3: o formato
A proposta de "A Regra do Jogo" era das mais interessantes. Uma intrigante trama policial em detrimento do romance, com um elenco de primeira, uma produção inovadora (a criação da "caixa cênica" da diretora Amora Mautner) e ótimas ideias. Entretanto, na prática, percebeu-se ao longo dos meses que a fórmula não estava funcionando para uma novela longa. "A Regra do Jogo" teria um resultado mais satisfatório se fosse exibida como uma novela curta (dessas das 23 horas) ou uma série, enxuta (sem as famigeradas tramas paralelas), para que sua história fosse melhor desenvolvida, evitando esticamentos, enrolações desnecessárias e furos de roteiro, que não foram poucos.

Vanessa Giácomo, Cauã Reymond e Susana Vieira (Foto: Inácio Moraes / Gshow)

Vanessa Giácomo, Cauã Reymond e Susana Vieira (Foto: Inácio Moraes / Gshow)

Culpado 4: as tramas paralelas
Sabemos que as tramas paralelas servem como alívio para a história central e para fazer uma novela render mais de seis meses no ar. Em "A Regra do Jogo", elas não tinham ligação alguma com a história principal, o que é comum para uma telenovela. Porém, aqui, as tramas paralelas só atrapalharam. Por se distanciarem totalmente da natureza policial da novela, elas quebravam o ritmo da trama da facção. E, pior, eram desinteressantes e dispensáveis, passando a clara sensação de estarem ali apenas para encher linguiça. "Merlô e suas funkeiras", "a família de Feliciano" e "o casal classe média que foi morar no morro" não tinham sequer um fio condutor, pareciam esquetes de humor. Só que sem graça alguma.

A única trama paralela que apresentou alguma história foi a do desmemoriado/desmiolado César/Rodrigo (numa interpretação repetida e equivocada de Carmo Dalla Vecchia). Entretanto, uma história mal desenvolvida, que mais irritou do que prendeu a audiência. A ótima Maeve Jinkings bem que tentou dar alguma dignidade a sua personagem Domingas, que saiu de uma trama interessante, que poderia ter rendido melhor – a que envolvia seu marido violento Juca (o também ótimo Osvaldo Mil) – para cair nos braços de César numa historinha sem pé nem cabeça. Um desperdício de trama e de talento.

Desperdício de talento também para Marcos Caruso (Feliciano), Otávio Müller (Breno) e Carla Cristina Cardoso (a empregada Dinorá), excelentes em seus papeis, mas subaproveitados em tramas inconsistentes. A única personagem de trama paralela de "A Regra do Jogo" que teve uma trajetória digna (ainda que no final) foi Janete (Suzana Pires), uma mulher trabalhadora que livrou-se da família sanguessuga de Feliciano, errou ao envolver-se com Merlô (Juliano Cazarré), mas acabou dando a volta por cima como "self-made woman", abrindo seu próprio negócio na Macaca.

Atena (Giovanna Antonelli) / Ascânio (Tonico Pereira) (Foto: Divulgação)

Atena (Giovanna Antonelli) / Ascânio (Tonico Pereira) (Foto: Divulgação)

As peças do xadrez
O elenco era primoroso, com grandes atuações de Alexandre Nero (Romero Rômulo), Tony Ramos (Zé Maria), José de Abreu (Gibson) e Deborah Evelyn (Kiki). Lamenta-se que Cássia Kiss tenha tido uma participação tão pequena: a atriz e a personagem (Djanira) fizeram falta. Marco Pigossi merece elogios por seu desempenho como o policial Dante – apesar do personagem ter feito papel de bobo a maior parte da ação. Vanessa Giácomo ficou com um tipo ingrato, a mocinha Tóia (apelidada de "Chatóia"), mas teve ótimos momentos na novela. Também tiveram Renata Sorrah (Nora), Eduardo Moscovis (Orlando) e Cauã Reymond (Juliano).

Apesar de Giovanna Antonelli e Susana Vieira defenderem muito bem suas personagens, Atena e Adisabeba decepcionaram se considerarmos que foram vendidas nas chamadas como grandes destaques da novela, o que acabou não acontecendo. Adisabeba fez escada para Tóia e Zé Maria e não teve importância alguma para a trama da facção. Atena teve seus momentos, era carismática e engraçada. Mas não foi a vilã que substituiria Carminha à altura. Passou parte da história ora posta de lado ora rastejando pelo amor de Romero, que mais a fez de gato e sapato do que a amou de verdade. Na ausência de um casal romântico clássico, Atena e Romero supriram, ainda que na na contramão, com seu amor bandido. Quem roubou a cena mesmo foi Tonico Pereira, como Ascânio. O ator deu um toque delicioso ao personagem, debochado e histriônico na medida exata.

Com o fim de "A Regra do Jogo", resta a sensação de que a novela não aconteceu. Pior: boas ideias, boa trama, ótimo elenco e produção desperdiçados em um horário e formato para um público que não esteve disposto a consumir aquilo. Não teria sido mais eficiente se fosse uma série, ou uma novela curta e enxuta, apenas com a história da facção?

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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