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Entre as novelas atuais, “Velho Chico” é a que apresenta o melhor texto

Nilson Xavier

18/07/2016 07h00

Lee Taylor, Dira Paes e Irandhir Santos (Foto: Caiuá Franco/TV Globo)

Lee Taylor, Dira Paes e Irandhir Santos (Foto: Caiuá Franco/TV Globo)

Os autores de novelas têm escolhido o caminho mais seguro para contar a suas histórias: o do texto fácil que não exige muito do público a não ser a sua passividade. Telenovela é, acima de tudo, entretenimento. E é isso o que a maioria dos telespectadores querem: um texto mastigado de onde sabem exatamente o que esperar.

De todas as novelas atualmente no ar, em todas as emissoras, a única com um texto mais denso, que exige alguma reflexão do público, que traz à tona alguma problemática ou que levanta uma discussão de interesse social, é "Velho Chico". E, não por coincidência, a novela tem uma média de audiência abaixo do esperado por sua emissora – ainda que tenha tido melhoras nas últimas semanas.

Ressalto que me refiro exclusivamente ao texto, e não ao enredo ou à trama. Tampouco desmereço o texto de obras como "Êta Mundo Bom", "Cúmplices de um Resgate" e "A Terra Prometida". Todas são escritas especialmente para os seus públicos alvo. O telespectador das novelas bíblicas já sabe que vai receber tudo mastigado, inclusive a pregação ou a filosofia religiosa. E em uma produção infanto-juvenil, a simplicidade ao contar uma história é preponderante. Tá tudo certo!

Entretanto, cabe uma crítica aos textos de "Escrava Mãe" e "Haja Coração", em que imperam a reiteração e os esgarçados clichês folhetinescos, usados à exaustão, sem filtro, e sem ousadia ou criatividade. A novela da Record, apesar da bela produção e de seu bom elenco, soa como uma trama de época requentada, ou uma grande mistura de várias novelas de época. A da Globo resvala na repetição: como se não bastasse ser um remake, se apropria de mais tramas que já estamos carecas de conhecer – como Shirlei, a manca que era de outra novela, ou a mãe rejeitada pelo filho já vista no trabalho anterior do autor, vivida pela mesma atriz. É o clichê do clichê?

"Liberdade Liberdade" se beneficia do horário tardio, em que nudez, sexo e violência são permitidos  – o  que, não necessariamente, lhe conferem o status de "ousada". A única vanguarda até agora vista foi o sexo entre dois homens, que deu o mérito à novela de ser a primeira a exibir esse recurso. Em suma, "Liberdade Liberdade" é uma produção de primeira, bem dirigida, com elenco excelente e ótimos personagens. Tem história, todavia lhe falta História. E apesar do ineditismo, a discussão sobre homossexualidade (ou liberdade ou escravidão) ainda é rasa.

"Velho Chico" vai pelo caminho menos fácil. A começar pela estética, que ainda causa estranhamento em boa parte da audiência. Muitos dirão que tem menos história que "Escrava Mãe", "Liberdade Liberdade" ou "Êta Mundo Bom". Discordo. Tem história, mas está em outro ritmo. "Velho Chico" convida à contemplação das imagens, às interpretações do elenco e à reflexão sobre o "ter agora" e o "preservar para ter no futuro" – seja do meio ambiente ou das relações humanas.

Outros dirão que "Velho Chico" tem menos audiência que "Êta Mundo Bom" ou "Haja Coração". Mas a audiência nem sempre está disposta a refletir – na maioria das vezes, só quer se divertir. E nisso, todas as novelas têm cumprido seu papel, cada qual para seu público alvo.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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