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“Malhação” discute o preconceito de um lado mas acaba sendo preconceituosa do outro

Nilson Xavier

13/02/2017 07h00

Aline Dias e Bárbara França (Foto: divulgação/TV Globo)

Aline Dias e Bárbara França (Foto: divulgação/TV Globo)

Em menos de um mês, a atual temporada de "Malhação" repercutiu mal dois diálogos entre seus personagens resvalando em preconceito por pura falta de cuidado no texto. Meu amigo Maurício Stycer escreveu sobre cada situação, quando aconteceram. A primeira foi ao ar em 23/01, uma conversa entre Rômulo (Juliano Laham) e Sula (Malu Falangola), recém chegada do Ceará. Ela soltou: "Aqui [no Rio] é tanta gente bonita que tô até com saudade de ver gente feia!" (leia AQUI).

O segundo diálogo foi ao ar na quarta-feira passada (08/02). Num bate-papo entre Giovani (Ricardo Vianna) e a namorada Joana (Aline Dias), ele sugeriu que ela ficasse gorda para que nenhum homem a assediasse (!) No que ela respondeu: "Gorda? Para você me largar?" (leia AQUI). Nas duas situações, não houve réplica com reprimenda. Foram papos corriqueiros que morreram ali.

"Malhação" discute o preconceito social, de raça e de lugar de origem através da protagonista Joana, pobre, negra, vinda do Ceará, vítima do bullying da meia-irmã Bárbara (Bárbara França), carioca loura de classe média-alta. Porém, os dois diálogos descritos acima estão fora do escopo dessas discussões.

A fala da cearense Sula sobre "gente bonita do Rio x gente feia do Ceará" foi mais um chiste da personagem, que é cômica. Pode até servir de combustível para a discussão sobre xenofobia. Porém, parou ali. E não há como negar que, dita daquela forma isolada, causa incômodo.

Já a frase de Giovani foi, no mínimo, infeliz. Ele e Joana são os "mocinhos" da história, o exemplo a ser seguido pelo público, o alicerce moral e ético da bandeira contra o preconceito que "Malhação" levanta. Ainda: esse diálogo está fora das discussões da trama, já que não se fala sobre gordos ou padrões de beleza – pelo contrário, a magra Joana é modelo de publicidade, ou seja, "Malhação" reafirma o estereótipo do padrão de beleza vigente.

Aline Dias e Bárbara França (Foto: Fabio Rocha/Gshow)

Aline Dias e Bárbara França (Foto: Fabio Rocha/Gshow)

Sou contra a patrulha politicamente correta que vive de catar deslizes na programação televisiva. Acredito que deva haver limite e bom senso, das duas partes. Porém, esses furos no texto de "Malhação" atestam uma falta de cuidado dos autores.

E há falta de cuidado inclusive nas discussões sobre preconceito levantadas pelo programa. Não há a menor sutileza nas abordagens. Quase todo dia vai ao ar uma briga feroz entre Joana e Bárbara, repleta de ofensas. Joana revida as agressões da irmã (ainda bem que ela não é uma mocinha passiva). Mas Bárbara exagera no discurso execrável e preconceituoso. É tudo muito repetitivo e insistente.

A lente de aumento (situações que ganham grandes proporções, repetidas, com personagens maniqueístas) pode servir à narrativa quando se deseja pôr em pauta um tema a ser discutido. Mas há de se ter cuidado para o exagero não soar gratuito e ganhar mais força que a discussão em si. Falta sutileza para dosar melhor essa abordagem.

Pior é a pretensão de debater algum preconceito e acabar incidindo em outro, como aconteceu.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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