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"A Força do Querer" reforça o valor do merchandising social em novelas

Nilson Xavier

10/10/2017 07h00

Carol Duarte como Ivan em "A Força do Querer"

Glória Perez desempenha em "A Força do Querer" um importante trabalho de merchandising social na abordagem dos transgêneros, através do personagem Ivan (Carol Duarte), informando o público, dando visibilidade e levando o assunto para o debate da sociedade. Também trata do vício do jogo e suas consequências, com Silvana (Lília Cabral). Entende-se por merchandising social as ações inseridas nas novelas que promovem a discussão e a conscientização ou despertam a curiosidade de questões de interesse social ou que estão em pauta na sociedade. Glória não é a precursora da prática, mas é, entre os novelistas, a que mais utiliza o recurso em suas histórias.

O termo foi criado na década de 1990, quando esse tipo de iniciativa tornou-se comum entre as produções do horário nobre da Globo. Glória Perez foi a primeira a fundir realidade e ficção, já em 1990, em "Barriga de Aluguel", em que o público, especialistas e celebridades surgiram dentro da novela opinando sobre os assuntos abordados na trama. Cada obra seguinte da autora levantou assuntos ou campanhas: transplante de coração em "De Corpo e Alma" (1992), crianças desaparecidas em "Explode Coração" (1995), clonagem humana, drogas e alcoolismo em "O Clone" (2001), imigração ilegal e homossexualidade em "América" (2005), esquizofrenia em "Caminho das Índias" (2009), tráfico humano e alienação parental em "Salve Jorge" (2012), etc.

As crianças desaparecidas de "Explode Coração" | Carolina Dieckmann em "Laços de Família"

Manoel Carlos é outro novelista lembrado quando o assunto é merchandising social. Em "História de Amor" (1995), tratou de câncer de mama e das dificuldades dos cadeirantes. Em "Laços de Família" (2000), levantou uma importante campanha sobre transplante de medula. Entre outros assuntos, abordou ainda o alcoolismo em "Por Amor" (1997) e "Mulheres Apaixonadas" (2003), a violência doméstica e o descaso com idosos em "Mulheres Apaixonadas", a síndrome de down em "Páginas da Vidas" (2006) e tetraplegia em "Viver a Vida" (2009).

Benedito Ruy Barbosa não fica atrás. Em 1993, em sua novela "Renascer", ousou apresentar um personagem hermafrodita e discutir a questão: Buba, vivida por Maria Luísa Mendonça. "O Rei do Gado" (1996) promoveu uma abrangente discussão sobre a reforma agrária e abordou a lisura da classe política (lembra do Senador Caxias?). A política voltou a ser discutida em outras novelas suas, como "Velho Chico" (2016) – que ainda tratou da preservação do meio ambiente e denunciou o uso desmedido de agrotóxicos nas lavouras.

Maria Luísa Mendonça e Taumaturgo Ferreira em "Renascer" | Carlos Vereza em "O Rei do Gado"

Muito antes de merchandising social ter esse nome

É antiga a preocupação dos novelistas em trazer à baila assuntos de interesse social, promover campanhas ou conscientizar o público através de suas histórias. O pioneiro foi Dias Gomes, que em 1970 tratou de reforma agrária em "Verão Vermelho". Em 1974, o autor popularizou o termo "ecologia", até então pouco difundido, em "O Espigão", que ainda abordou a especulação imobiliária e suas consequências para o meio ambiente. O assunto voltou em "Sinal de Alerta" (1978), sobre a poluição das grandes cidades.

A mulher de Dias, Janete Clair, sofreu cortes da censura do Regime Militar em suas novelas. O governo enxergou críticas a duas obras que patrocinava, que estavam em andamento: a hidrelétrica de Itaipu (em "Fogo Sobre Terra", 1974) e o metrô carioca (em "Duas Vidas", 1977). Janete quis mostrar as consequências ao meio ambiente e à população da interferência humana em nome do progresso desmedido.

Em 1971, Benedito Ruy Barbosa fez uma campanha de alfabetização para moradores do campo, na primeira versão de "Meu Pedacinho de Chão" – conhecida como a primeira novela educativa da TV brasileira. De forma didática, a atração transmitiu ensinamentos úteis aos trabalhadores e às populações rurais, abordando assuntos como higiene, desidratação, vacinação e técnicas agrícolas. Outro exemplo que merece citação: Lauro César Muniz discutiu eutanásia em "Os Gigantes", em 1979.

Cena de "Sinal de Alerta" | Carlos Alberto Riccelli em "Aritana"

Na década de 1970, a novelista Ivani Ribeiro – fora da Globo e muito antes de Glória Perez – reivindicou os direitos dos pescadores, explorados pelas cooperativas de pesca, em "Mulheres de Areia" (1973), os direitos dos índios, em "Aritana" (1978), e denunciou o perigo das praias poluídas, em "O Espantalho" (1977).

Tantos outros assuntos já foram retratados em nossa teledramaturgia: racismo, violência urbana, AIDS, autismo, rapto de crianças, fanatismo religioso, aborto, machismo, etc. Não só os autores consagrados, mas também os novatos, em produções de todos os horários, têm a preocupação de escrever em sincronia com os tempos modernos. A responsabilidade nas abordagens é grande, haja vista a penetração da telenovela nos lares brasileiros e o seu caráter formador de opinião.

Fotos: divulgação.
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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