Sem graça e ultrapassado, humor em "O Outro Lado" só reforça preconceitos
Já escrevi anteriormente: a Globo extinguiu o "Zorra Total" e Walcyr Carrasco o ressuscitou em "O Outro Lado do Paraíso" (leia AQUI). 2018 e a novela das nove da maior emissora do país promove um humor anacrônico, apelativo e de mau gosto que debocha de minorias e oprimidos. As prostitutas do bordel da trama são constantemente motivo de chacota enquanto a anã Estela (Juliana Caldas), sem função alguma na novela, foi escanteada para uma reedição tosca da "Escolinha do Professor Raimundo". Abordar a prostituição de forma responsável e as dificuldades dos anões para quê?… se a piada é a maneira mais fácil de obter audiência.
Walcyr Carrasco ainda tem dois meses pela frente para empurrar goela abaixo do público seu texto raso em tramas inverossímeis e inconsistentes. A alta audiência da novela reflete um público nem um pouco interessado em raciocinar ou refletir. Sob este prisma, "O Outro Lado do Paraíso" cumpre muito bem a sua meta: entreter somente. Novela nenhuma tem a obrigação de fazer merchandising social. Mas até que o autor fez direitinho quando tratou da questão da pedofilia.
Não precisa ter campanha de conscientização, nem resvalar no politicamente correto – às vezes, passa a impressão de que é só para "mostrar serviço". Entretanto, espera-se de qualquer produto audiovisual um mínimo de qualidade (dramatúrgica, no caso de uma novela) e o comprometimento com a pauta da sociedade. Não quer falar, não fala. Mas também não esculhamba!
Em "A Força do Querer", Glória Perez foi aclamada pela abordagem digna à causa LGBT. Carrasco, na novela seguinte, apela para o grotesco com o único intuito de arrancar o riso fácil (Samuel de calcinha e batom) e trata os gays com piadinhas do tipo "sempre usou cor-de-rosa, por isso ele gosta de vestir calcinha" ou "Deus não dá asas a cobra" (a mãe, que busca a cura gay do filho, sobre a possibilidade de ele engravidar).
Todo avanço conquistado por "A Força do Querer" na discussão sobre homossexualidade e transexualidade parece jogado ladeira abaixo cada vez que surge o núcleo de Samuel (Eriberto Leão) em "O Outro Lado do Paraíso". É como ter avançado 2 passos e depois voltado 3. Não se trata aqui de cobrar o politicamente correto, mas garantir o patamar alcançado e não haver retrocesso.
Esse núcleo "de humor" do Samuel não é só ruim porque não tem graça. É ruim porque também reforça preconceito, estigmatização e estereótipos. Não é mimimi de politicamente correto. Trata-se de um grande desserviço para o país que mais mata LGBTs no mundo.
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