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Texto antiquado de "O Outro Lado" banaliza e debocha da prostituição

Nilson Xavier

27/03/2018 22h29

As prostitutas de O Outro Lado do Paraíso (Foto: Raquel Cunha/TV Globo)

Já escrevi em outra oportunidade: o texto da novela "O Outro Lado do Paraíso" caberia perfeitamente em uma trama de época (anos 30, 40, 50). São discursos antiquados e anacrônicos contra minorias e oprimidos que não condizem com o pensamento e a pauta da sociedade moderna. Estão explícitos nas falas e atos dos personagens. Porém, disfarçados em piadinhas, a maioria de mau gosto, que soam como deboche. O que é altamente pernicioso: rótulos escondidos sob a casca de alívio cômico. Só que até isso todo mundo já percebeu e não aceita mais.

Tratei anteriormente o quanto a homossexualidade abordada em "O Outro Lado do Paraíso" reforça estigmas (leia AQUI). Vide o atual momento "cura gay" na trama. Já a prostituição ganhou um espaço tão grande dentro da novela que não é exagero afirmar que o bordel Love Chic tornou-se o principal cenário da história. Até aí, nada de mais, não fosse o texto raso e nada original que só tem servido para escárnio. Como se já não bastasse a reiteração: quem ainda aguenta a perseguição de Desirée (Priscila Assum) sobre Juvenal (Anderson Di Rizzi), há meses repetindo sempre as mesmas falas nas mesmas situações?!

Priscila Assum e Anderson Di Rizzi (Foto: Raquel Cunha/TV Globo)

Parece que todos os personagens da novela rodeiam o núcleo do Love Chic. Cléo e Melissa (Giovanna Cordeiro e Gabriela Mustafá) encontraram refúgio no bordel – não sem ouvir alguma piadinha infeliz. Até a protagonista Beth (Glória Pires) já andou por lá. Spoilers dão conta de que em breve virá à tona um segredo do passado de Sophia e Nádia (Marieta Severo e Eliane Giardini): elas foram prostitutas. Trama, aliás, que o autor Walcyr Carrasco requentou da novela "Gabriela" (de 2012), em que ao final foi revelado que a beata Dorotheia (Laura Cardoso) foi quenga na juventude.

Não vejo romantização à prostituição na novela. Mas o tema é tratado como se fosse uma coisa do outro mundo (uma visão antiquada) e banalizado e debochado por meio do texto ultrapassado de Walcyr Carrasco. E isso vale ainda para as outras abordagens: homossexualidade, racismo, nanismo, violência contra a mulher. Reforço: não é mimimi de politicamente correto. Na vida real, já há ideias retrógradas e estigmas demais envolvendo prostituição. Mas trivializar e fazer troça não é mostrar a realidade. Tampouco é uma forma eficiente de combater preconceitos. Pelo contrário, é nociva, já que o efeito é oposto.

Como diria aquele personagem militante de Marcelo Adnet no "Tá no Ar": "Quanto desserviço, dóna RédGlobo!". Só que, neste caso, com razão.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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