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Show de ostentação técnica, Deus Salve o Rei não tem o principal: história

Nilson Xavier

05/04/2018 07h00

Marina Ruy Barbosa e Rômulo Estrela (Foto: divulgação/TV Globo)

Em meu último texto sobre "Deus Salve o Rei", questionei se a novela finalmente começaria após a guerra dos reinos. Ledo engano. Nas últimas semanas, deflagrou-se a crise na produção das sete da Globo, com notas pipocando sobre saída de atores, chegada de novos, reforço nos roteiristas, supervisor de texto (Ricardo Linhares), etc. Toda uma ação para fazer a trama da novela deslanchar.

O principal problema de "Deus Salve o Rei", eu apontei lá no início. Qual a história dessa novela? Parece não haver um arco narrativo, um fio condutor. Tomando a famosa frase de Janete Clairnovela é como um novelo, que vai se desenrolando aos poucos-, o novelo de "Deus Salve o Rei" não tem uma ponta para puxar. Se tem, está presa em algum nó. Os personagens parecem travados dentro da história. O que os move? Exemplo: por que Catarina (Bruna Marquezine) é má a ponto de sacrificar o próprio reino?

Afonso

Os personagens são frágeis, agem para justificar o roteiro. Por que Afonso (Rômulo Estrela) abdicou de seu reino a favor do amor de Amália (Marina Ruy Barbosa), se ela não foi capaz de ceder quando ele a chamou para ficar consigo em seu castelo? "Se Afonso não abdicasse, não haveria história!" Mas o comportamento do príncipe é injustificável! Pintado no início como um nobre justo e fiel, seu ato foi uma alta traição ao seu povo e à memória da falecida avó, a rainha. Que herói justo e fiel é esse?

O roteiro sacrificou o perfil do personagem para fazer a trama andar. "Ah, mas ele achava que Rodolfo daria conta do recado!" Ele conhecia muito bem o irmão, sabia que era um parvo! Movido por uma "paixão cega" – enquanto a plebeia vendia sopa na feira – Afonso abandonou seu reino à própria sorte para justificar uma trama mal alinhavada. Difícil de engolir, né?! É o novelo com nó, que a ponta travou e não puxa.

Amália e Afonsália

Até relutei em enxergar Amália friamente. Mas desisti. A mocinha da novela é arrogante, tem nariz empinado. Existe uma linha tênue que separa a heroína empoderada e determinada da arrogante que se acha autossuficiente. A personagem de Marina Ruy Barbosa caiu no beco sem saída da antipatia.

Com o sempre sisudo Afonso, forma um casal (#Afonsalia) sem o menor carisma. Impossível torcer por eles. Por mais que a equipe da Globo nas redes sociais tente empurrar goela abaixo a hashtag Afonsalia e vendê-la como um casal fofo – não há, no roteiro da novela, respaldo para tanto.

Tatá

O que Tatá Werneck faz em "Deus Salve o Rei"? Esquetes de humor. Apenas. Ainda que muito bons. Eu gosto, até me divirto. A união de Rodolfo e Catarina (Johnny Massaro e Bruna Marquezine) fez a personagem perder função na trama. Está avulsa. Parece uma outra história dentro da novela. Atualmente está passando "Lucrécia no Convento". Sugestões para as próximas: "Lucrécia no Circo", "Lucrécia na Praia", "Lucrécia e o Pé de Feijão", "Lucrécia na Caverna do Dragão"…

Marquezine

Acho que a atriz melhorou bastante, comparado ao que era no começo. Que bom que a direção entendeu as críticas e mudou o tom da personagem – que estava totalmente equivocado.

Rodolfo

O único personagem que demonstra alguma evolução na trama. Não por acaso, o melhor da novela, o mais bem construído – mesmo alternando momentos de bobo da corte e tirano maléfico. E interpretado pelo ator que mais se destaca: Johnny Massaro.

Johnny Massaro e Bruna Marquezine (Foto: Maurício Fidalgo/TV Globo)

Elenco x fanbases x ostentação técnica

São poucos os atores conhecidos. Não que não se deva investir em novos nomes – pelo contrário! Todos vão bem, dentro de seus papéis. Mas compare o elenco de "Deus Salve o Rei" com os das novelas das seis "Tempo de Amar" e "Orgulho e Paixão": nelas, há um número maior de medalhões e atores conhecidos do grande público. Parece que a Globo apostou nas fanbases (na força midiática) de Marquezine, Marina e Tatá, e economizou no elenco para gastar nos efeitos especiais.

Neste quesito, "Deus Salve o Rei" parece um show de ostentação técnica. Já escrevi sobre isso também: é mais embalagem que conteúdo. Tudo muito moderno, bem feito, nada a dever às melhores produções mundiais. Enche os olhos e deve fazer bonito em feiras internacionais ou se candidata ao Emmy. Mas falta o principal: a história – que os jurados do Emmy e o povo das feiras não são capazes de julgar porque não acompanham diariamente os cento e tantos capítulos da novela.

Juro que simpatizo com "Deus Salve o Rei". Paro e vejo. Mas acho que é mais pela beleza plástica da produção. Porque história para seguir diariamente não há. Pode-se ficar dois, três dias sem assistir que não faz a menor diferença, parece que não se perdeu nada. Não desperta o desejo de continuar no dia seguinte. E isso é mortal para uma novela, porque não fideliza público. Talvez daí a audiência irregular (na semana passada foi de 27 a 22 pontos, na anterior, de 27 a 21).

Ainda acho que "Deus Salve o Rei" pega. Faço votos que as novas medidas para levantar a novela façam surgir a ponta que irá desenrolar suavemente esse novelo.

Leia também: "Deus Salve o Rei melhora com trama de guerra e Marquezine menos robótica";
"Trama frágil, Deus Salve o Rei é muita embalagem para pouco conteúdo".

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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