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Malhação passa péssima impressão de abordagem social forçada e oportunista

Nilson Xavier

06/05/2018 07h00

Guilhermina Libânio (foto: reprodução)

O formato adotado pela atual temporada de "Malhação" – chamada "Vidas Brasileiras" – requer alguns cuidados na narrativa. Recapitulando: a cada duas semanas, é levantada a problemática de um adolescente, enquanto tramas paralelas são desenvolvidas independentemente deste período. Adaptada para telenovela, o formato é baseado na série canadense "30 Vies". Talvez funcione plenamente nas séries em que os episódios se fecham por definitivo. Porém, a estrutura da telenovela – em que arcos dramáticos (abertos) transcorrem toda a sua longa duração – requer uma organicidade que "Malhação" não está dando conta.

Por tratar-se de novela, e não série, falta uma construção gradativa e espontânea das tramas e sutileza na apresentação e contextualização das abordagens que vão surgindo. Já no fechamento bissemanal dessas tramas, sobra o discurso politicamente correto gratuito.

Na quarta-feira passada (02/05), teve início a história de Úrsula (Guilhermina Libânio), que discute a autoestima de gordos, o bullying e os padrões de beleza impostos pela sociedade. Do nada, duas amigas de colégio, Pérola e Jade (Rayssa Bratillieri e Yara Charry), começaram a zombar ostensivamente da garota. Ao mesmo tempo – também do nada – surgiu uma nova personagem, prima de Úrsula, também gordinha, porém, ao contrário dela, com autoestima elevadíssima, que se insinua para rapazes e levanta a bandeira do "sou gostosa sim, me aceitem" – logicamente um contraponto à retraída Úrsula.

Por que a prima autoconfiante surge no colégio só agora? Não é aluna nova! Entende-se perfeitamente a premissa de que personagens novos estão ali apenas para resolverem aquela demanda momentânea. Mas não deixa de ser gratuito. Da mesma forma repentina e gratuita, as colegas passaram a praticar bullying. OK, já houve uma ou duas cenas rápidas de bullying, mas tão camufladas que mal deu para perceber.

Outro revés: Úrsula, que não abria a boca até então, agora tem muitas falas, afinal, é o momento da personagem. Mas depois que acabar a sua história, ela voltará a ter falas esporádicas e a passar despercebida? Ao fim das duas semanas, a problemática é resolvida apressadamente. Porém, sabemos que drogas, assédio e pedofilia, intolerância religiosa e gordofobia não se resolvem definitivamente na vida dos envolvidos. Os problemas sociais levantados requerem manutenção, uma pós abordagem – afinal a novela continua. "Malhação" passa a péssima impressão do merchandising social forçado. A novela deu o seu recado politicamente correto, "lacrou" e que venha o próximo.

Joana Borges e Marcelo Argenta (foto: reprodução)

O formato telenovela até permite que tramas se concluam no meio do caminho. Mas se os personagens permanecem, pontas soltas de seus dramas também ficam. Verena (Joana Borges), que sofreu assédio, continua na história, inclusive envolvida em outras tramas. Todavia, não dá simplesmente para esquecer o seu sofrimento, quando sabemos que assédio moral ou sexual deixa marcas. Há de se continuar abordando o tema para não parecer que morreu ali.

Por este prisma, a abordagem em "O Outro Lado do Paraíso" é um bom exemplo de desenvolvimento do tema. O assunto não morreu com a condenação e morte do assediador. Laura (Bella Piero) tratou o seu problema. O que vemos em "Malhação" são abordagens sociais mal contextualizadas que, por surgirem e desaparecerem do nada, acabam soando meramente oportunistas.

Requer atenção ainda a mudança de personalidade de um personagem para atender uma necessidade do roteiro. Como lembrou um seguidor no Twitter "tem personagem que é babaca em uma semana e militante na outra".

Foi difícil engolir Alex (Daniel Rangel) – desde o início apresentado como um "bom rapaz" – gravando o vídeo de Leandro (Dhonata Augusto) no show de drag-queens. OK, adolescente, no calor do momento, não refletiu sobre as consequências. Outra: tudo bem que Pérola já era mostrada como uma patricinha mimada e egoísta. Mas forçou a barra transformar gratuitamente a personagem em uma babaca insensível apenas para contextualizar o tema gordofobia.

Claro que não se está aqui criticando os temas abordados. Não é o conteúdo, é a forma. Existe em dramaturgia uma linha muito tênue que separa o merchandising social orgânico, bem inserido na trama, do meramente panfletário ou didático. Basta um passo em falso para ficar parecendo que o merchandising social que reza pela cartilha do politicamente correto está lá apenas para cumprir cota de lacração.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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