SBT transforma "Poliana", um livro dos EUA, em novela mexicana
É senso comum louvar a estratégia do SBT em produzir novelas infantis quando a TV aberta carece de programação desse tipo no horário nobre. Atende uma demanda e traz um bom retorno para a emissora, por meio da audiência fiel e dos produtos licenciados. E não há como negar o know-how alcançado a cada produção, sempre a mais recente superior à anterior. É unânime que "As Aventuras de Poliana", a nova estreia da casa, traz todas as qualidades técnicas já vistas nas produções anteriores. Tudo muito bonito e moderno e em consonância com a criançada de hoje.
Entretanto, ainda que seja uma novela infantil e que a fórmula já testada com sucesso seja um caminho seguro, esta seria uma boa oportunidade para inovar a narrativa e ofertar ao público um produto, digamos, um pouco diferente. Vou deixar não uma crítica, mas uma provocação.
"As Aventuras de Poliana" é a primeira novela infantil do SBT não adaptada de uma produção latina ("Carrossel", "Cúmplices de um Resgate" e "Carinha de Anjo" são mexicanas e "Chiquititas" é argentina). É baseada no famoso livro da escritora estadunidense Eleanor H. Porter, publicado em 1913. Pela primeira vez, a emissora deixa de adaptar uma novela latina já pronta para beber em outra fonte, no caso, um romance dos EUA. Como não poderia ser diferente, a autora Íris Abravanel transferiu a trama original para o Brasil contemporâneo e a recheou de novas histórias paralelas para fazer render uma novela longa.
O público do SBT habituou-se ao padrão latino de suas novelas, calcado no melodrama familiar com personagens maniqueístas, guiados pela dualidade bem-mal. As novelas infantis não escapam dessa proposta. Apesar da Poliana original vir de outra vertente, o SBT apresenta essa versão com as mesmas características de suas adaptações latinas. Ou melhor: os mesmos vícios.
No romance de Eleanor H. Porter, não há a figura da vilã. Pelo menos não a vilã com a qual os espectadores do SBT estão acostumados. No livro, Miss Polly, a tia da menina Pollyana, é uma mulher dura, severa e exigente que impõe uma série de restrições ao espírito livre da sobrinha órfã recém chegada à sua casa. O SBT transformou a tia da menina, agora chamada de Luísa, em uma terrível vilã de novela mexicana. São muitas caras e bocas da atriz Milena Toscano para evidenciar o contraponto entre tia e sobrinha. Só lhe falta o tapa-olho!
Também pode ser notado um certo exagero na Poliana, vivida pela menina Sophia Valverde: sorrisos demais em uma felicidade insistente. A história original, no livro, começa com a menina chegando à casa da tia. O SBT iniciou sua novela mostrando os antecedentes de Poliana, feliz com os pais viajando pelo Nordeste. É onde ela conhece o garoto João, interpretado por Igor Jansen. O pai do menino é um homem extremamente rude com o filho, incapaz de demonstrar qualquer traço de carinho, enquanto a mãe, submissa, é exatamente o oposto – olha a herança do melodrama latino!
Em poucas cenas, Poliana perdeu a mãe e, depois, o pai, e chegou à casa da tia rica, em São Paulo. Apesar do trauma recente (e que trauma!), a menina surge toda serelepe, com um sorriso no rosto, afinal ela joga do "jogo do contente", aprendido com os pais. Destratada pela tia, Poliana insiste em ver o lado bom da vida. É a bonita mensagem do livro, apresentada na novela por meio de uma narrativa nada sutil.
Com anos de experiência no melodrama latino, o SBT transforma um romance infanto-juvenil em uma novela mexicana, sem espaço para meios-termos. Diante dessa caricatura da menina otimista, um adulto teria desistido de Poliana já no primeiro capítulo. Claro, trata-se de uma novela para crianças. Mas seria esse um bom momento para introduzir uma linha narrativa diferente para os pequenos, como no livro.
Pelo visto, o público infantil também terá que se esforçar no jogo do contente para suportar ver por mais de dois anos Poliana sofrer nas mãos da tia megera.
Em tempo, a campanha de divulgação do SBT surtiu efeito: a audiência dos primeiros capítulos foi alta, na casa dos 14 pontos no Ibope da Grande São Paulo, quando costumeiramente o horário fica nos 10 pontos.
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