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"Segundo Sol" é massa, mas herdou coisas ruins de "O Outro Lado do Paraíso"

Nilson Xavier

14/06/2018 07h00

Adriana Esteves como Laureta (foto: reprodução)

Olhe, estou achando "Segundo Sol" tão massa que já me sinto baiano na hora da novela. A produção tem muitas qualidades. Ambientar a trama na Bahia (ainda que esbranquiçada, sim, vamos bater nesta tecla até o fim, é preciso não deixar esquecer) trouxe novidade e leveza para o horário – sotaque, paisagem e diversidades cultural, musical e estética. "Segundo Sol" é bonita de ver e de ouvir.

O texto de João Emanuel Carneiro é outro ponto forte. Depois de seis meses do texto raso de "O Outro Lado do Paraíso", as frases na boca dos personagens de "Segundo Sol" chegam a ser um alento. Perceba como Laureta (Adriana Esteves) tem as melhores falas, sempre afiadas, espirituosas. Há também diversidade idiomática. Alguém está tomando nota das expressões engraçadas que os personagens falam?

O elenco bem escalado parece super entrosado. Os sotaques surpreendem. Alguns atores se destacam mais, tanto pelos personagens ricos quanto pelas interpretações. Todo capítulo tem show de Adriana Esteves e Letícia Colin. Emílio Dantas, Fabrício Boliveira, Fabíula Nascimento (exuberante), Nanda Costa… Na última semana Roberta Rodrigues e Caco Ciocler tiveram cenas ótimas.

Houve um upgrade na narrativa de João Emanuel Carneiro: PELA PRIMEIRA VEZ ele escreve uma novela em que os núcleos paralelos conversam organicamente com a trama central. Os personagens de "Segundo Sol" estão todos amarradinhos. Lembra como podíamos ir tranquilamente ao banheiro quando apareciam Cadinho ("Avenida Brasil"), Pai Helinho ("Da Cor do Pecado"), Merlô ("A Regra do Jogo") ou a Céu ("A Favorita") e não se perdia nadinha da trama central das novelas?

Letícia Colin (Rosa) e Chay Suede (Ícaro) (Foto: divulgação/TV Globo)

Agora, convenhamos: a trama de João Emanuel Carneiro não tem absolutamente nada de novo. É uma colcha de muito do que já se viu, inclusive dele próprio. Quem é fã de "A Favorita", da série "A Cura" e da trama central de "A Regra do Jogo" podia esperar que JEC voltasse a surpreender. SQN. O autor está mais para a "Avenida Brasil" – mas sem o alinhamento dos astros que houve nesta ocasião.

JEC está escaldado? A rejeição sobre "A Regra do Jogo" (trama central um tanto pretensiosa para uma novela das oito) talvez tenha feito o autor retroceder e optar pelo caminho mais fácil. Agora, ele pega na mão do espectador convidando-o a alçar voo. A falta de verossimilhança é uma herança maldita de "O Outro Lado do Paraíso", um dos piores problemas dessa novela.

No início, a gente reluta em acreditar: deve haver uma explicação melhor. Mas ela não vem! É difícil embarcar nessa do finado Beto Falcão (Emílio Dantas) andar por aí sem ninguém reconhecê-lo, assim como os filhos de Luzia (Giovanna Antonelli) não reconhecerem a mãe. "Se reconhecer não tem história" – mas isso não justifica uma trama mal alinhavada. JEC exige boa vontade para que o público compre a novela.

Ao mesmo tempo, a proposta é boa, a novela diverte, o texto na boca dos personagens é gostoso de ouvir, os capítulos são movimentados, repletos de reviravoltas e ganchos bons (marca registrada de JEC). Tudo isso não compensa os furos no roteiro? Não é "passar pano", mas acho uma troca até justa. A novela é massa! Só que é aquela coisa: a aposta no voo do autor. Depende de cada um embarcar ou não.

Leia também, Flávio Ricco: "Globo cobra explicações pelos tantos erros cometidos em Segundo Sol".

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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