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De prédio sem porteiro a exame de DNA: os clichês de novelas se atualizam

Nilson Xavier

21/11/2018 07h18

Nicolas Prattes em "O Tempo Não Para" (foto: reprodução)

Escritores de televisão comumente reclamam da tecnologia, que, de acordo com eles, dificulta a roteirização de novelas. A tecnologia "mina" o folhetim – ou, pelos menos, mina velhas fórmulas prontas de roteiro. Um exemplo notório é o "pendrive da Nina", ou a falta dele. Por que Nina não salvou em um pendrive as provas contra os vilões de "Avenida Brasil"? Algo inadmissível nos dia de hoje. Porque, se ela salvasse, aquela trama acabaria ali! O autor João Emanuel Carneiro foi tão criticado por esse "furo" que não ousou repeti-lo em sua novela "Segundo Sol" (nesta, os furos foram outros).

Até os anos 1990, muitas histórias foram calcadas na dificuldade de comunicação. Antigamente, para conversar com alguém à distância, enviava-se uma carta, que levava no mínimo 24 horas para ser lida. Ou um fax, uma forma, aos olhos de hoje, rudimentar de comunicação instantânea. Atualmente, recebemos uma mensagem no celular imediatamente. Os aparelhos celulares permitem o diálogo a qualquer momento em qualquer local. Até meados da década de 1990, você só falava com alguém por telefone (fixo, no caso) se a pessoa estivesse naquele momento em algum lugar para atender (casa, trabalho, etc).

Hoje a comunicação está facilitada e as distâncias, encurtadas. Por outro lado, resistem alguns vícios de roteiristas. Mesmo com procedimentos de segurança residencial (algo já bem antigo), a teledramaturgia usa e abusa, desde sempre e sem o menor pudor, de pessoas indesejadas que aparecem à porta do apartamento sem avisar e sem ter que passar por um porteiro, ou sem anunciar ou ser anunciado por interfone. Os novelistas até fazem brincadeiras para justificar a situação, com frases do tipo "Ah esse porteiro, que deixa qualquer um subir sem avisar!".

Alinne Moraes em "Espelho da Vida" foto: reprodução)

Também algumas facilidades da vida moderna foram incorporadas ao "Manual dos Clichês de Novelas". Se antigamente, para atestar uma paternidade duvidosa, inventava-se uma mancha de nascença no corpo, hoje em dia (quer dizer, já há mais de 20 anos) temos o exame de DNA para comprovar quem é filho de quem.

Em seu texto sobre "Casamentos desfeitos no altar" (outro clichê batidíssimo), Maurício Stycer citou os exames de DNA em novelas atuais. Pois nessa semana, no mesmo dia (entre segunda e terça), o folhetim das seis, "Espelho da Vida", e, na sequência, o das sete, "O Tempo Não Para", exibiram o desmembramento de resultados de exames que afetam suas tramas. Em "Espelho da Vida", Isabel (Alinne Moraes) obteve a comprovação de que sua filha Priscila (Clara Galinari) é filha de Alain (João Vicente de Castro). E em "O Tempo Não Para", Samuca (Nicolas Prattes) e Mateus (Raphael Viana) cobraram de Coronela (Solange Couto) a falsificação do exame de paternidade do filho que Valeska (Carol Castro) espera.

Será mesmo que as facilidades da vida moderna dificultam a escrita de novelas? Não estariam os autores presos a velhas fórmulas prontas e sem ousadia para criar entrechos originais? Por que não se apropriar da tecnologia e fazer dela uma aliada? O exame de DNA é um exemplo – apesar de usado à exaustão. A recorrência é uma característica do clichê, que, por sua vez, é inerente ao folhetim. Mas um mesmo clichê poderia ser revezado, para evitar de ser usado concomitantemente em novelas diferentes.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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