Grandioso, "Roma" está na Netflix, mas deveria ser visto no cinema
A não ser, claro, que você tenha em casa um mega equipamento ou um cinema particular!
Tive a oportunidade de assistir ao filme "Roma" no cinema. O elogiado lançamento da Netflix (Leão de Ouro no Festival de Veneza, indicações ao Globo de Ouro e pré-indicado ao Óscar) teve exibições limitadas em salas de São Paulo e Rio de Janeiro. Lamento, mas vê-lo na televisão não proporcionará a mesma emoção que na telona. "Roma" é uma obra exuberante. Grandiosa, na acepção da palavra. Uma homenagem do diretor Alfonso Cuarón ao cinema que deveria ser apreciada no cinema. Mas restrita à televisão.
"Roma" é autobiográfico. O próprio diretor é representado na figura do caçula da família retratada no filme. A protagonista Cleo, a empregada da casa, é uma alusão à empregada da infância de Cuarón, Libo, ou Libória Rodriguez, a quem o diretor dedica sua obra. Não por acaso, o menino Pepe (Marco Graf) é quem mais demonstra afeição a Cleo. A incrível atriz Yalitza Aparicio interpreta a personagem com o olhar. Assim como Cleo é econômica e sutil com as palavras, o filme não tem a intenção de mastigar o roteiro. Nem precisa.
A beleza plástica está na fotografia em preto-e-branco, uniforme e iluminada, harmoniosa e aconchegante. As tomadas convidam o espectador a passear com a câmera. Como a casa da família é quase um personagem, os planos fixos dentro da residência criam um enlevo, uma intimidade, da garagem estreita aos cômodos (há uma sequência na sala em que a câmera parece dar um giro de 360 graus no recinto).
"Roma" é daquelas obras repletas de detalhes e significados, como o avião que abre e fecha o filme, o cocô de cachorro na garagem e o contraponto entre as salas e quartos confortáveis, onde ficam os membros do clã, e a cozinha feia e simplória, onde as empregadas trabalham. Os quartos grandes dos familiares em contraste com o quarto minúsculo das serviçais escancaram os desníveis sociais e raciais, tão familiares para nós brasileiros.
Mas "Roma" vai além da casa da família. A câmera e o olhar arguto de Cuarón levam o espectador a conhecer as redondezas da Rua Tepeji (entre os anos de 1970 e 1971) – onde está a casa da família -, rua da infância do diretor, no bairro de Roma, Cidade do México – por isso o título do filme. O cinema, muito presente no roteiro, é uma metalinguagem e uma autorreferência. O filme que as crianças pedem para ver foi o preferido do diretor em sua infância.
Algumas tomadas são verdadeiras pinturas cheias de metáforas. Como a cena em que a família toma sorvete, estática e triste, com uma confraternização de casamento ao fundo. Ou a união da família na praia – foto acima, já um dos mais belos frames da história do cinema.
Ao mesmo tempo, "Roma" exibe sequências de grande tensão, fortes e emocionantes, como aquela em que Cleo, sem saber nadar, é obrigada a entrar no mar. Também o parto da empregada e a manifestação estudantil que termina em derramamento de sangue (reprodução do Massacre de Corpus Christi, ocorrido em 1971, em que policiais mataram mais de 100 manifestantes na Cidade do México).
Sem ser explicitamente feminino, "Roma" é um filme sobre mulheres, seu poder e força. Cleo e a patroa Sofia (Marina de Tavira) estão afastadas uma da outra por suas origens e têm diferentes concepções de família, porém, relegadas por seus homens, se completam. "Vamos viver uma vida de aventuras!", insiste Sofia como se estivesse tentando convencer a si mesma.
"Roma" deveria ser visto no cinema não somente por ser uma obra audiovisual bela e majestosa que fatalmente perde impacto na telinha (o som também é muito importante no filme). Mas, principalmente, porque é rica em detalhes que podem passar despercebidos na TV (o casal de patos copulando no canto da tela!). Talvez sutilezas com muitos significados para o diretor.
Se você possui em casa um incrementado cinema particular, chame os amigos amantes da sétima arte e lhes proporcione a experiência de assistir a esse filme em grande estilo.
PS1: "Roma" é escrito, dirigido, produzido, fotografado e montado por Alfonso Cuarón, diretor dos filmes "Gravidade" (2013), "Filhos da Esperança" (2006), "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), "E Sua Mãe Também" (2001), "A Princesinha" (1995) e outros.
PS2: procure por indicações de ajuste do televisor para uma melhor experiência.
Fotos: divulgação/Netflix.
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