Topo

Baixa repercussão de “Em Família” sugere novos caminhos para a TV

Nilson Xavier

18/07/2014 22h32

Luísa (Bruna Marquezine) e Laerte (Gabriel Braga Nunes) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Luísa (Bruna Marquezine) e Laerte (Gabriel Braga Nunes) (Foto: Divulgação/TV Globo)

A novela "Em Família", que terminou nesta sexta-feira, 18/07, talvez sinalize os caminhos que a TV aberta tem pela frente em tempos de audiência decadente, fruto de concorrência brutal com novas mídias e TV a cabo (cada vez mais acessíveis), e novos hábitos e exigências do telespectador moderno. Foi-se o tempo em que apenas um bom texto segurava audiência.

Autor de sucessos marcantes da TV, como as novelas "A Sucessora" (1978-1979), "Baila Comigo" (1981), "História de Amor" (1995-1996, em reexibição no canal Viva), "Por Amor" (1997-1998), "Laços de Família" (2000-2001) e "Mulheres Apaixonadas" (2003), Manoel Carlos vem errando a mão desde que trocou sua parceria na direção com Ricardo Waddington por outro diretor: Jayme Monjardim – vide "Páginas da Vida" (2006-2007), "Viver a Vida" (2009) e, agora, "Em Família".

É de se questionar se o novelista não anda muito inspirado e ligou o piloto automático com suas crônicas da classe média carioca, ou a direção de Waddington dava a elas um dinamismo que Monjardim – de um estilo mais contemplativo – não conseguiu alcançar. Ou os dois fatores: autor + diretor. Vale salientar que Jayme Monjardim já se saiu muito bem em trabalhos majoritariamente embasados em um texto tão ou mais profundo que o de Maneco. Lembra de "A Vida da Gente" (2011-2012), de Lícia Manzo?

Se considerarmos o último folhetim do autor, "Viver a Vida" – cujo ponto alto era as dificuldades de uma bela e vaidosa moça que ficou tetraplégica (Luciana de Alinne Moraes) -, era de se imaginar que a premissa de "Em Famíla" não era lá muito atraente para o horário mais visado (e visto) da Globo. A história de primos que se amaram no passado, mas que, no presente, ficou apenas o rancor de um amor mal resolvido, poderia ser contada à seis da tarde sem maiores percalços.

A Helena da vez (Júlia Lemmertz) não passou de mera coadjuvante para o drama da filha, Luiza (Bruna Marquezine), apaixonada pelo homem que desgraçou sua família no passado, Laerte (Gabriel Braga Nunes). O bom início da novela, que apresentou as primeira e segunda fases da história, se perdeu quando caiu na terceira e definitiva parte. Foi quando nos deparamos com uma trama mais lenta e que não fazia questão de prender o público na frente da TV, ante pouca ação e total ausência de bons ganchos.

Jairo (Marcello Melo Jr.) e Juliana (Vanessa Gerbelli) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Jairo (Marcello Melo Jr.) e Juliana (Vanessa Gerbelli) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Não vou bater na tecla das idades dos atores incompatíveis com seus personagens, porque isso já deveria ter sido superado. Por mais que tenha abusado, "Em Família" não foi a primeira e nem será a última a ter discrepâncias desse tipo por conta da escalação de elenco. Juliana, a tia de Helena, parecia mais velha que ela nas primeiras fases e, quando a atriz foi trocada por Vanessa Gerbelli, a personagem pareceu rejuvenescida. O que importa é que a trama de Juliana foi o ponto alto da novela, com Gerbelli vivendo um de seus melhores momentos na TV, formando um dupla interessante com Marcello Melo Jr. – o Jairo – o único casal que deu algum dinamismo ao folhetim. Os dois atores merecem elogios.

Apesar do ritmo, há de se elogiar também o texto sempre afiado de Maneco, com profundidade e emoção, quando encontra respaldo em atores à altura. Foi quando se destacaram Júlia Lemmertz, Bruna Marquezine e Humberto Martins. Por mais que os diálogos e dramas de seus personagens tenham se repetido ao longo da história (Helena não tinha outra função a não ser reclamar de Laerte), os seus diálogos salvaram "Em Família" da letargia total.

Em contrapartida, alguns personagens que – achava-se – iam decolar, morreram na pista. Caso de Shirley, vivida por Vivianne Pasmanter, que só ladrou mas não mordeu. Shirley é a personificação de "Em Família": prometia muito nas primeiras fases, mas não cumpriu na continuação da história – com poucos personagens realmente cativantes, algumas tramas que poderiam ser bem conduzidas se perderam no meio do caminho.

Foi o caso da relação amorosa entre Clara e Marina (Giovanna Antonelli e Tainá Muller), que já começou estranhamente errada, quando o autor pintou uma Marina "destruidora de um lar feliz de comercial de margarina". Cadu (Reynaldo Gianecchini) era um concorrente forte demais para que se angariasse torcida por Clarina (Clara + Marina). A doença do rapaz quase pôs tudo a perder, numa clara mostra do quanto essa trama foi mal conduzida. Quando os roteiristas se perceberam disso, tiraram o foco da doença de Cadu, minimizando-a, e criaram "o casal lésbico de comercial de margarina". O ponto positivo foi o beijo entre as moças, simples sem a intenção de causar alarde, de forma natural como o tema deve ser tratado.

Marina (Tainá Muller) e Clara (Giovanna Antonelli) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Marina (Tainá Muller) e Clara (Giovanna Antonelli) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Na cota do merchandising social – outra marca do autor – Maneco retornou ao alcoolismo, através do personagem Felipe (Thiago Mendonça). Trama requentada – por mais que o tema seja sempre pertinente – afinal, Orestes (Paulo José) em "Por Amor" e Santana (Vera Holtz) em "Mulheres Apaixonadas" já haviam entrado para a história. O descaso com o idoso – tão bem abordado em "Mulheres Apaixonadas" – transformou-se em núcleo cômico sem graça alguma. E o Mal de Alzheimer de Selma (Ana Beatriz Nogueira) também acabou pendendo para o humor, um verdadeiro desserviço.

Outra trama mal costurada foi a de Alice (Érica Januza), fruto de um estupro que resolve fazer justiça colaborando com a polícia. Difícil de engolir a maneira fácil e rápida com que a polícia pôs em risco a vida da jovem, aparentemente com pouco preparo. Outros personagens ainda mudaram de personalidade de acordo com o andamento da novela. Chica era uma mulher cordata nas primeiras fases e, quando ressurgiu na pele de Natália do Valle, parece que havia se transformando em uma mulher liberta, despreocupada, mais alegre.

Branca (Ângela Vieira) teve momentos bons no início, parecia outra personagem que ia decolar, mas acabou minguando com o tempo. Por fim, Laerte (um Gabriel Braga Nunes bem apático) inexplicavelmente só mostrou a verdadeira personalidade (a que vimos na pele do ator Guilherme Leicam, na segunda fase) no finalzinho da novela. Talvez, se Maneco tivesse mexido mais com esse vilão, "Em Família" tivesse ganhado em dinamismo e, consequentemente, despertado mais interesse do público.

Retorno agora à ideia exposta no primeiro parágrafo. As atuais métricas de aferição de audiência não são mais eficazes e as emissoras estão entendendo isso. A audiência deveria ser medida pela repercussão, que pode ser positiva ou negativa. Liberta-se assim do engessado horário fixo, já que as plataformas se multiplicam e os programas podem ser vistos à hora que se bem deseja. As novelas do horário nobre da Globo sempre tiveram repercussão, independentemente da audiência. Vendem revistas, fomentam pautas em outros programas – da casa e de outras emissoras, inclusive.

"Em Família" teve audiência baixa (média final de 30 pontos na Grande São Paulo, a menor da história no horário) e, no geral, repercutiu mal nas redes sociais. Um bom texto é imprescindível para qualquer obra dramatúrgica. Todavia, não é o suficiente. Nesses tempos em que, mais do que nunca, as emissoras lutam para chamar a atenção da audiência, cada vez mais pulverizada, voltada para outros interesses que não mais a TV por ela mesma, o marasmo do cotidiano não interessa mais. Aliás, nunca interessou. A não ser quando veio junto com uma boa história, atraente, cativante, envolvente. Não foi o caso de "Em Família".

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

Blog do Nilson Xavier