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Rejeição a “Babilônia” vai além do casal de lésbicas

Nilson Xavier

29/03/2015 18h32

Nathalia Timberg e Fernanda Montenegro em cena com Chay Suede (Foto: Divulgação/TV Globo)

Nathalia Timberg e Fernanda Montenegro em cena com Chay Suede (Foto: Divulgação/TV Globo)

Já pipocam na Internet teorias sobre a rejeição que a novela "Babilônia" vem sofrendo por parte do público. A audiência está muito abaixo do esperado. Os mais ferrenhos apontam o casal de lésbicas idosas – vividas por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg – como o grande responsável pela celeuma. Também vou apresentar minhas teorias. E vão além de Teresa e Estela.

Sim, o público foi pego de surpresa quando, no primeiro capítulo, as duas velhas senhoras trocaram um beijo longo e afável. E não parou por aí. Teresa, repetidamente, se refere a Estela como "meu amor". Vez ou outra troca carícias com ela. Os mais conservadores, não familiarizados, até sabem que existem casais "assim", mas não querem ver. Compreensível. Levou muito tempo para a Globo liberar um beijo gay na "sagrada novela das nove" – essa instituição da cultura brasileira. Talvez seja necessário mais tempo para avançar esta questão, digamos, polêmica.

Mas não é só isso. O segundo capítulo exibiu a bofetada que Alice (Sophie Charlotte) deu em sua mãe Inês (Adriana Esteves). Isso choca tanto quanto as "lésbicas beijoqueiras". Maria de Fátima – a malvada personagem de Glória Pires na clássica "Vale Tudo" – sequer ousou levantar a mão para a mãe Raquel (Regina Duarte), nos famosos embates que mãe e filha tiveram naquela novela, também de autoria de Gilberto Braga. Em outro capítulo, na mesma semana de estreia de "Babilônia", foi Bruno Gissoni quem ameaçou o pai, Cássio Gabus Mendes.

A tradicional família brasileira deve estar de cabelo em pé com a "nociva novela da Globo"! Tudo bem, nem todo mundo quer ver realidade na novela. Para isso, existem os noticiários. Em contrapartida, vejo outro fator importante para a torcida de nariz. Existe concorrência! E isso é muito bom! As outras emissoras estão se mexendo dessa vez e apresentam opções "diferenciadas" – para quem não quer ver gay ou filho batendo em pai na novela global!

Quem prefere a inocência de uma novela infantil, bem "família", tem a reprise de "Carrossel" no SBT (sucesso de 2012-2013). O que, fatalmente, remete ao embate "O Dono do Mundo x Carrossel" de 1991, quando o público preferiu endossar a novelinha mexicana em detrimento à "imoral" novela de Gilberto Braga – em que uma virgem entregou-se a um mau caráter na noite de núpcias dela, provocando, indiretamente, a morte de seu noivo. "Chocante, não?!" Observação: na verdade, "Carrossel" batia de frente com "O Dono do Mundo" por no máximo dez minutos.

E a Record, tirando proveito da polêmica acerca da novela global, se vale disso para promover sua novela bíblica "Os Dez Mandamentos" (que estreou na semana passada), também chamada de "novela da família" – a cristã, no caso, já que é baseada na Bíblia. Só que a novela da Record concorre diretamente com "Babilônia" por no máximo quinze minutos. Diante dos fracassos de seus últimos folhetins, exibidos juntamente com a principal novela da Globo, a emissora de Edir Macedo sabiamente apresenta "Os Dez Mandamentos" antes da atual trama global.

Thiago Fragoso e Camila Pitanga (Foto: Divulgação/TV Globo)

Thiago Fragoso e Camila Pitanga (Foto: Divulgação/TV Globo)

Temos, então, concorrência saudável e abordagens que as famílias conservadoras não querem ver. Mas "Babilônia" tem outras culpas. Uma das principais reclamações é a chatice da mocinha Regina, bem defendida por Camila Pitanga. Ela faz o tipo "pobre batalhadora". Mas é barraqueira, sofredora e sem classe. O público também não perdoa um tipo assim, mesmo que Regina tenha uma moral ilibada. Paradoxal, não? Talvez, ainda não deu tempo para o telespectador gostar da personagem. E, convenhamos, Regina não está ajudando muito! Também é ingrato "ser do bem"!

Entre as qualidades de "Babilônia", está o texto afiadíssimo dos autores, com tiradas e frases de efeito inspiradas. Digamos que é um texto acima da média, que permeia a crítica social, leva à reflexão. Como no ótimo núcleo do prefeito corrupto Aderbal Pimenta (Marcos Palmeira), um falso moralista e hipócrita, uma releitura da clássica figura de Odorico Paraguaçu.

Ao mesmo tempo, tem núcleo desnecessário, cuja principal função seria o alívio cômico. Só que não! Falo do trio vivido por Gabriel Braga Nunes, Marcos Veras e Ígor Angelkorte. Já foi apelidado nas redes sociais de "núcleo do Cadinho", numa referência ao chato personagem de Alexandre Borges em "Avenida Brasil". É digno de trocar de canal mesmo!

Finalizando: cadê a explosão entre as vilãs vividas por Glória Pires e Adriana Esteves, que vimos no capítulo de estreia? As duas agora são aliadas, e em nada lembram as víboras que queriam se picar no primeiro capítulo. As atrizes continuam ótimas, cada qual com sua vilã. Mas a novela prometeu bons embates e o que se viu foi uma esfriada na trama delas. "Babilônia" precisa pegar fogo novamente. Caso contrário, até quem não se sente parte da "tradicional e conservadora família brasileira" troca de canal.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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