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O maior mérito de “Velho Chico” foi provocar e estimular o público

Nilson Xavier

30/09/2016 22h38

Camila Pitanga (Foto: Reprodução)

Camila Pitanga (Foto: Reprodução)

Nesta sexta-feira (30/09) chegou ao fim a saga de "Velho Chico", novela escrita por Bruno Luperi e seu avô, Benedito Ruy Barbosa, com direção artística de Luiz Fernando Carvalho, tristemente marcada pela morte do ator Domingos Montagner. Deixando de lado a tragédia, acho esta uma produção importantíssima para nossa televisão. E nem estou falando apenas de suas qualidades técnicas e artísticas.

"Velho Chico" deu o respiro que o horário das nove da Globo precisava, vindo de uma sequência de tramas realistas focadas na violência urbana. Com temáticas regionais, a produção mudou a paisagem e o sotaque do horário nobre. Alicerçada em um elenco mais enxuto do que o habitual, trouxe vários nomes desconhecidos do grande público. Tratou de questões sociais importantes, relacionadas ao Rio São Francisco e à agricultura, meio ambiente e sustentabilidade, bem como coronelismo e política. Porém, questões embaladas por uma boa dose de lirismo. Também a incontestável qualidade técnica e artística, da direção à fotografia, trilha sonora e interpretação dos atores.

Entretanto, "Velho Chico" abriu um precedente dos mais interessantes, que diz muito sobre a televisão moderna e o seu público. Desde sua estreia, a novela dividiu opiniões e provocou discussões. As metáforas propostas no texto de Luperi e Benedito encontraram ressonância na concepção estética do diretor. Luiz Fernando Carvalho ofereceu ao público o respiro ansiado, mas em uma embalagem à qual este público não estava acostumado. Quando a aparência encardida do elenco ou o traje de época de Dona Encarnação e a peruca do Saruê viram alvo de críticas, é porque despertam no telespectador bem mais do que a mera rejeição.

Marcelo Serrado (Foto: Reprodução)

Marcelo Serrado (Foto: Reprodução)

De fato, "Velho Chico" não foi uma novela fácil. Nem para todos os gostos. Há anos se discute se os realizadores de telenovelas devem ou não fazer concessões ao público em nome da audiência. À primeira vista, sim, já que é um produto comercial e, como tal, só lucra se agradar. Além do mais, o que todos na produção (autores, diretores, técnicos, elenco) desejam é que ela alcance o número maior de pessoas. A cobrança das novelas do horário nobre é maior, haja vista que são, há pelo menos cinquenta anos, o produto mais assistido da TV brasileira, pelo seu maior poder de alcance.

Em entrevista à coluna de Maurício Stycer no UOL, Bruno Luperi comentou: "Acredito que uma obra não deva ser influenciada pelos números de audiência, pela pressão. Tenho que ser digno. Não posso abandonar o navio porque não está dando certo num determinado momento." Leia a íntegra AQUI.

Mas, de qual público estamos falando? A audiência nunca se comportou de forma tão imediatista como nos dias de hoje, clamando impacientemente por resultados rápidos. Porém – ou por causa disso – também nunca esteve tão heterogênea e pulverizada. Apesar de a grande fatia ainda ser o tradicional público de novelas, existe uma tendência de comportamento irreversível: assistir ao que quer, à hora que deseja, na plataforma que dispõe (TV, celular, computador, etc). Dito isso, a ordem do dia é o cardápio variado de opções para seduzir todo tipo de telespectador.

Acho ótimo que tenha existido "Velho Chico"! Não só pelas qualidades técnicas e artísticas, mas também porque fez parte dessa variedade de opções. Assim como é ótimo ter uma novela infantil no SBT ("Cúmplices de um Resgate") e uma religiosa na Record ("A Terra Prometida") concorrendo no mesmo horário. Melhor ainda já que nem os autores ou os diretores se deixaram abater diante das críticas ou tentaram ajustar a novela ao gosto do telespectador padrão.

Antônio Fagundes e Lee Taylor (Foto: Reprodução)

Antônio Fagundes e Lee Taylor (Foto: Reprodução)

Por tudo isso, "Velho Chico" é uma obra acima da média na TV brasileira. Ainda que o texto tenha cansado em vários momentos, ou os autores tenham sido didáticos em outros, ainda que o ritmo lento da narrativa tenha afugentado telespectadores, a novela teve o grande mérito de provocar e estimular o público. Entregar tudo mastigado é mais fácil. Difícil é confrontar o espectador e chamá-lo à reflexão. A proposta estética do diretor, o figurino de época de Dona Encarnação ou a peruca do Saruê fazem parte do conjunto de metáforas da narrativa que disfarçaram a crítica social e política do texto, percebidas pelos que se propuseram acompanhar a saga de Santo dos Anjos.

É de Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) a frase: "A televisão deve andar sempre um passo à frente do público." "Velho Chico" foi um bom exemplo.

Leia também: Os destaques no elenco de "Velho Chico".
Maurício Stycer: "De alto nível, elenco de Velho Chico exibiu coesão de uma companhia teatral".

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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