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“Sol Nascente” abusa do direito de usar clichês, até para uma novela

Nilson Xavier

21/10/2016 07h00

Bruno Gagliasso e Giovanna Antonelli (Foto: Divulgação/TV Globo)

Bruno Gagliasso e Giovanna Antonelli (Foto: Divulgação/TV Globo)

Parece que nem uma explosão consegue movimentar a novela "Sol Nascente". Antes fosse apenas uma questão de agilidade. Há quase dois meses no ar, a trama escrita pelo trio Walther Negrão, Suzana Pires e Júlio Fischer padece de problemas que vão além de uma história pouco movimentada: também é pouco atraente.

As tramas variam do estereótipo da família italiana ao estereótipo da família japonesa, passando pelo clichê dos tatuados motoqueiros imaturos e um grupo de caiçaras. Tudo bem que folhetim é um festival de clichês. Mas precisava alicerçar a novela em tanto estereótipo, sendo esta uma trama naturalista? A história trata das relações humanas, entre familiares e amigos. Os clichês são bem vindos e seriam um prato cheio. Mas, diante de uma trama tão estereotipada, falta verdade (e naturalidade) nessas relações.

Os italianos

Walther Negrão já discorreu antes sobre uma típica família italiana, porém com mais apelo: "Pão-Pão Beijo-Beijo", em 1983, com atores como Lélia Abramo, Mário Benvenutti, Renata Fronzi, Laerte Morrone, Élida L´Astorina (olha quantos sobrenomes italianos!). Francisco Cuoco e Aracy Balabanian repetem tipos caricatos que a própria televisão havia expurgado há anos e que hoje em dia cabe mais naquele esquete do "Zorra" da mamma dona da cantina interpretada por Dani Calabresa (outro sobrenome italiano?).

Os japoneses

A família japonesa carrega um agravante duro de engolir: a escalação de Luís Mello para o meio-japonês Tanaka incomoda quem assiste. Talvez, se o personagem fosse japonês mesmo, interpretado por um ator descendente, o clichê não seria tão óbvio. Luís Mello, um grande ator, não consegue escapar do japonês óbvio diante desse texto, por pouco japonês que pareça. E a pergunta que não quer calar: por que não um ator descendente? Tanaka poderia muito bem ter sido interpretado por Ken Kaneko (o japonês oficial das novelas da Globo dos anos 80) ou Carlos Takeshi (o japonês oficial das novelas da Globo dos anos 90). Pegou mal!

Luís Mello e Laura Cardoso (Foto: Divulgação/TV Globo)

Luís Mello e Laura Cardoso (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

Os tatuados e as caiçaras

Não sei qual a idade dos motoqueiros tatuados moderninhos – Mário (Bruno Gagliasso), Ralf (Henri Castelli), Lenita (Letícia Spiller) e o par dela Felipe (Marcelo Faria) -, mas, a julgar pelas suas relações amorosas, parecem não ter saído da adolescência. Por fim, o núcleo caiçara, cuja cultura deve ser muito rica, mas que na novela ainda não passou das "visões da Chica" (Tatiana Tibúrcio).

O casal romântico central

A escalação de Giovanna Antonelli e Bruno Gagliasso acabou por revelar o pior que pode acontecer para um casal de novelas: a falta de química entre os atores. Difícil torcer pelo amor desse casal – não só pelos atores, mas pelo conjunto da novela. Aliás, não estava na hora de Giovanna descansar a imagem? Alice, uma das mocinhas mais apáticas dos últimos tempos, nada agrega para a carreira da ótima atriz – então recém saída da forte Atena de "A Regra do Jogo".

Laura Cardoso

Todavia, os autores têm um grande trunfo nas mãos: Laura Cardoso, excelente como a vovó bandida Dona Sinhá. A personagem é o ponto fora da curva de "Sol Nascente", a única capaz de injetar alguma originalidade nessa novela e movimentar sua trama – muito mais que uma explosão. "Sol Nascente" precisa que a personagem seja bem aproveitada. Laura tem dado um show até o momento – o que tem feito a novela valer a pena.

Leia também: Maurício Stycer – "Sem história, núcleos fracos e personagens bobos, 'Sol Nascente' decepciona".

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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