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“Os Dez Mandamentos” é formal demais para uma novela, mesmo sendo bíblica

Nilson Xavier

23/03/2015 21h54

Roger Gobeth e Samara Felippo e o pequeno Moisés recém-nascido (Foto: TV Record/Divulgação)

Roger Gobeth e Samara Felippo e o pequeno Moisés recém-nascido (Foto: TV Record/Divulgação)

Substituir a novela "Vitória" não parece tarefa fácil para "Os Dez Mandamentos", a nova produção da Record que estreou nesta segunda-feira (23/03). "Vitória", escrita por Cristianne Fridman (que tem no currículo bons trabalhos na emissora, como "Chamas da Vida" e "Vidas em Jogo"), amargou uma pífia audiência e pouca repercussão. Em várias ocasiões ficou em terceiro lugar, perdendo para o SBT.

Nem histórias interessantes – que abordavam neonazismo, alcoolismo e Mal de Alzheimer -, tampouco as interpretações marcantes de Juliana Silveira, Lucinha Lins e Beth Goulart, conseguiram despertar interesse no público. De nada adiantou alfinetar a concorrente no horário na Globo, "Em Família", chamando-a de salada de chuchu sem gosto. Não que "Em Família" não fosse. Se ela fez feio, imagina "Vitória"!

Entretanto, a "primeira novela bíblica da TV", como foi vendida "Os Dez Mandamentos", chega com algumas vantagens. A primeira é o horário de exibição. Diferente de "Vitória", que batia de frente com a principal novela da Globo, a nova atração começa mais cedo, às 20h30, após o jornalístico "Cidade Alerta", herdando já a audiência dele.

A outra vantagem é a temática religiosa, que já faz parte do DNA da emissora. A Record tem seu público cativo de minisséries bíblicas, e apostar nesse filão em uma atração diária e de longa duração, como a telenovela, chega a ser uma vantagem em cima dos folhetins contemporâneos anteriores.

A autora é a experiente Vívian de Oliveira, que integrou a equipe de roteiristas das minisséries "A História de Ester", "Rei Davi", "José do Egito" e "Milagres de Jesus", entre 2010 e 2014. O diretor é outro experiente: Alexandre Avancini. O elenco é bom, de atores conhecidos da casa. Para contar a saga de Moisés (Enzo Simi/Guilherme Winter) em formato de telenovela, a autora promete incorporar à história bíblica tramas folhetinescas, envolvendo conflitos familiares, luta pelo poder, traições, inveja, ódio e amores proibidos. Até aí, nenhuma novidade, já que a Bíblia está repleta de histórias assim, que dariam ótimas novelas. Não é exagero afirmar que as histórias bíblicas são os ancestrais dos folhetins.

O primeiro capítulo foi ágil, exibindo bonitos cenários. Samara Felippo destacou-se. A atriz vive Joquebede, a mãe biológica de Moisés nessa primeira fase. ZéCarlos Machado (de "Sessão de Terapia") também, ele é o faraó Seti I, que quer dar cabo aos bebês hebreus. O problema foram os nomes egípcios pronunciados pelo elenco, de difícil compreensão neste primeiro momento.

Já que a proposta era distanciar das minisséries para aproximar das novelas, teria sido interessante a inserção de legendas na tela apresentando os nomes dos personagens. Deixava tudo menos formal. A formalidade está ainda nos diálogos, declamados, empostados. Remete aos melodramas antigos. Tudo bem que é uma produção bíblica, existe o caráter épico. Mas é novela – brasileira – acima de tudo. Quem sabe seja interessante trazer o texto (e a produção como um todo) para a informalidade da telenovela contemporânea. Claro que ninguém vai sair falando gírias modernas, não é isso!

Um puxão de orelha na Record: a primeira novela bíblica brasileira foi exibida em 1968, pela TV Tupi e se promovia da mesma forma que "Os Dez Mandamentos" da Record: por ser "a primeira novela bíblica da TV brasileira". Era "O Rouxinol da Galileia", escrita por Júlio Atlas, que estreou na Semana Santa de 1968 e encenou a Paixão de Cristo. No elenco, tinha Lima Duarte, Vida Alves, Laura Cardoso, Patrícia Mayo, Paulo Figueiredo, Wilson Fragoso, Rildo Gonçalves e outros.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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