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Ensino público de qualidade é a solução, diz Cao Hamburger, de "Malhação"

Nilson Xavier

27/10/2017 07h00

Cao Hamburger (Foto: Ramon Vasconcelos/TV Globo)

A convite da Globo, bati um papo com Cao Hamburger, o homem por trás do sucesso de "Malhação, Viva a Diferença". Escrita por ele, com direção geral de Paulo Silvestrini, a temporada é uma das maiores audiências da história da novela teen. É o primeiro trabalho de Cao em uma produção exclusiva da Globo. Ele tem em seu currículo, como roteirista e/ou diretor, filmes como "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" (2006) e "Xingu" (2012), séries voltadas para o público infanto-juvenil, como "Castelo Rá-Tim-Bum" (1994-1997), "Pedro e Bianca" (2012-2014) e "Que Monstro Te Mordeu" (2014-2015), e a série "Filhos do Carnaval" (2006-2007), da HBO.

Entre outros assuntos, Cao revela que sua preocupação é valorizar a escola pública, e não estigmatizar ainda mais. E que o Brasil tem um ensino público pronto para deslanchar, e a sociedade deveria se mobilizar para isso.

– Você recebe críticas? As pessoas cobram realismo, reclamam que "colégio pobre não é assim" (o Colégio Cora Coralina, um dos cenários de "Malhação").

Não é a proposta (o realismo). Talvez não seja possível fazer tão realista, por causa da maneira como é produzida – tudo isso vai tirando a possibilidade de realismo. Eu busco um equilíbrio entre a realidade e a ficção. Trabalhamos assuntos reais, muitas das histórias vêm da realidade. Mas permanecemos um tom acima do realismo. Começamos, no primeiro capítulo, com um parto no metrô. Muitos partos acontecem de verdade no metrô! A cena parece realista, mas parte de uma situação inusitada.

A escola pública, para mim, é um dos pontos mais importantes desse trabalho. O ensino público deveria ser prioridade da sociedade. A sociedade deveria abraçar essa causa. E seria a solução dos grandes problemas brasileiros, resolvidos com um ensino público de qualidade e para todo mundo. Visitamos muitas escolas públicas, fizemos grupos de discussão, conhecemos diretores e profissionais de Educação. Um dos grandes problemas é o preconceito que se criou contra a escola pública. Apesar de muito carente, a minha intenção foi apontar as coisas positivas, e não estigmatizar ainda mais.

Existem profissionais muito bons, comprometidos, bem preparados. E escolas com boa base de estrutura pronta. O Brasil pode ser tornar um país com educação pública de qualidade em pouco tempo, desde que haja, com investimentos, uma sociedade comprometida com isso. Achamos que a escola pública é um lixo, que teríamos que começar do zero. Mas não! A escola pública no país, com a estrutura que tem, com todo o sistema de educação que dispõe, está em um momento em que, se houver investimento e a sociedade abraçar o negócio, sua máquina funcionará em pouco tempo.

E isso não é um sonho utópico. Teve muita pesquisa, conversamos com muitos educadores e gente envolvida com educação pública. Para mim foi um alívio, uma alegria, saber que não é tão ruim (como se pinta). Isso o Brasil precisa saber e se mobililizar para resolver.

– Como é trabalhar na Globo? Já que a cobrança é maior, por resultados, por audiência…

Desde o começo me falaram para não me preocupar com isso, não pensar em audiência, já que eles (a Globo) estavam mais interessados na relevância do produto, na importância dos temas e na abordagem. Mas eu mesmo me sentia pressionado. Não só por querer que tenha uma boa audiência, que o público assista, mas também porque acho que discutimos coisas interessantes. Procuro fazer um produto que tenha empatia com público.

As protagonistas: Manoela Aliperti (Lica), Daphne Bozaski (Benê), Ana Hikari (Tina), Heslaine Vieira (Ellen) e Gabriela Medvedovski (Keila) (Foto: Sergio Zalis/TV Globo)

– Por ser na Globo, a repercussão e o feedback também são maiores?

Quando se faz uma série na HBO, o feedback é mais das pessoas conhecidas. Talvez o "Castelo Rá-Tim-Bum" tenha sido o produto que mais se iguala ao público de "Malhação". Porém, na Globo, sinto a repercussão do Brasil inteiro, de todas as classes sociais e idades. É engraçado, mas nossa "Malhação" resgatou os adolescentes, porque eles fugiram da televisão aberta. Mesmo quando fizemos "Pedro e Bianca", eu pensei 'caramba, como vamos fazer para esse público vir para a frente da televisão, e como ir onde eles estão?'.

– "Malhação" tem lances folhetinescos. A personagem Malu (Daniela Galli), por exemplo, é maniqueísta, uma típica vilã de novela.

Encaro "Malhação" como novela. Nunca havia trabalhado com um folhetim tão explícito. Quis aprender a fazer uma novela e nunca pensei em fugir do folhetim. Fujo um pouco dos esteriótipos. Mas concordo que Malu seja um esteriótipo (da vilã). Mas acho que existem outros elementos de folhetim em "Malhação", nos romances e tal. Fazemos uma obra em que o folhetim está incluído.

Daniela Galli (Malu) e Mouhamed Harfouch (Bóris) (Foto: reprodução)

– Os dramas das cinco protagonistas já estavam definidos na sinopse?

Estavam definidos o arco geral e um terço das histórias . A gente pesquisa muito. Tenho um pesquisador e um consultor e peço muita coisa para eles, para falarmos sobre o que está acontecendo agora, nas escolas, com os jovens. Temos um arquivo de temas e histórias reais que vamos alimentando e escolhendo para contar.

A ideia é contar as histórias individualmente. Há uma espécie de revezamento, "qual trama vamos contar nessa semana". O fato de serem cinco (protagonistas) permite tratar de coisas muito diferentes, construir histórias com elementos diferentes. E há ainda a história das cinco amigas juntas, da amizade delas. Me surpreende o quanto essa amizade é forte para o público. Os jovens têm uma demanda por histórias de amizade. Eles estão valorizando muito a solidariedade. Acho a importância que o público tem dado a isso muito revelador do momento que vivemos.

– Pretende escrever novela, para o horário das seis, sete ou nove?

Não vou dizer que não, porque nunca achei que fosse escrever uma novela e estou escrevendo! Nunca pensei, nunca almejei. E nunca pensei que quisesse! Apresentei projetos de séries e minisséries na Globo. Os diretores sugeriram escrever "Malhação". Mas não estava em meu radar, achava que não era a minha praia. Achava que era coisa para pessoas como Glória Perez e Silvio de Abreu. E estou muito surpreendido de estar fazendo e estar gostando!

Eu nunca havia assistido "Malhação". Meus filhos viram mais de uma temporada e eu nunca havia percebido! Isso me surpreendeu. Não sabia da dimensão de "Malhação", que era algo tão forte!

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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