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Por que não se deve comparar "Deus Salve o Rei" com "Que Rei Sou Eu?"

Nilson Xavier

12/01/2018 07h00

 

Rosamaria Murtinho, a rainha de "Deus Salve o Rei" | Tereza Rachel, a rainha de "Que Rei Sou Eu?"

Desde antes de sua estreia, "Deus Salve o Rei" (nova novela das 7 da Globo) sofre comparações com "Game of Thrones", uma das mais bem sucedidas séries da HBO, e com "Que Rei Sou Eu?", novela de capa-e-espada que a Globo produziu em 1989. Concordo com "GoT", afinal são produções atuais e não há dúvida de que a série da HBO inspirou a estética de "Deus Salve o Rei" – mas não apenas ela, também as séries "Vikings", "Once Upon a Time" e outras.

Entretanto, com "Que Rei Sou Eu?" a comparação soa imprópria. São histórias de capa-e-espada sim, mas suas tramas se passam em épocas bem diferentes e são produções em contextos díspares de público e cenário televisivo. Entretanto, foi o próprio diretor de "Deus Salve o Rei", Fabrício Mamberti, quem primeiro citou "Que Rei Sou Eu?" ao anunciar a nova novela: "Quem deu o primeiro sopro para Deus Salve o Rei foi Abu. Ele é um ícone e um mascote desse projeto", referindo-se a Antônio Abujamra, o bruxo Ravengar da novela dos anos 80.

O que une "Deus Salve o Rei" a "Que Rei Sou Eu?" é o fato de serem as únicas produções de capa-e-espada da dramaturgia da Globo – excetuando o período de 1966 a 1969 (início da emissora), com as novelas supervisionadas pela cubana Glória Magadan (como "A Ponte dos Suspiros", "Rosa Rebelde" e "Demian o Justiceiro"). A título de referência, convencionou-se que a dramaturgia da Globo começa para valer a partir de 1970, momento em que a emissora modernizou-se e conquistou a hegemonia nacional.

Vale salientar que "Deus Salve o Rei" e "Que Rei Sou Eu?" são novelas das sete da noite, horário no qual raríssimas vezes a Globo exibiu produções de época: além delas, "Bang Bang", em 2005, com ambientação no faroeste norte-americano, "Kubanacan", em 2003, centrada na década de 1950 em um fictício país da América Latina, e "Estúpido Cupido", produzida em 1976 mas ambientada no início dos anos 1960.

As tramas de "Deus Salve o Rei" e "Que Rei Sou Eu?" não se passam na mesma época, como muitos imaginam: enquanto a primeira tem referências na Idade Média sem precisar o ano, a trama da segunda se inicia em 1786, às vésperas da Revolução Francesa, na transição da Idade Moderna para a Contemporânea. Ou seja, apesar de castelos, rainhas e príncipes, "Que Rei Sou Eu?" não é uma história medieval.

Posto isso, são quase trinta anos que separam as produções de "Deus Salve o Rei" e "Que Rei Sou Eu?". Tirando a abordagem capa-e-espada, são propostas completamente diferentes, produzidas em épocas e contextos da TV brasileira muito diferentes.

"Que Rei Sou Eu?" fazia uma sátira política ao Brasil, uma metáfora entre o fictício Reino de Avilan e o país, sua rainha e conselheiros com nossos políticos. Havia uma forte crítica à corrupção e ao jeitinho brasileiro de se dar bem e levar vantagem. Era uma novela engajada, uma tendência da época – 1989, o primeiro ano em que o brasileiro votou para presidente da República depois de um jejum de mais de vinte anos. Como "Que Rei Sou Eu?", "Vale Tudo" e "O Salvador da Pátria", produções contemporâneas, também tinham esse viés, digamos, social e político. Ainda: era uma época em que as novelas globais dominavam a preferência do povo, como entretenimento sem custo para uma audiência sem muitas opções.

Quase trinta anos depois, o público de "Deus Salve o Rei" é completamente diferente, assim como a nossa Televisão. Hoje, a concorrência com outras formas de entretenimento (entenda plataformas e mídias) tirou da telenovela o posto de rainha do horário nobre. "Deus Salve o Rei" não tem a menor intenção de satirizar a situação política brasileira, como "Que Rei Sou Eu?" fez. São novelas de propostas diferentes (a antiga farsesca, a atual dramática) separadas por trinta anos que transformaram a forma de consumir televisão.

"Que Rei Sou Eu?" era melhor? Outro peso e outra medida para aplicar algum juízo de valor. Fora que a nova novela das sete acabou de começar, foram apenas três capítulos no ar!

Fotos: divulgação/TV Globo.
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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