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Pedofilia na novela das 9 perde foco para polêmica dos psicólogos

Nilson Xavier

09/02/2018 09h52

Bella Piero como Laura (Foto: reprodução)

A intenção em "O Outro Lado do Paraíso" é das mais nobres e urgentes: discutir pedofilia e assédio sexual. Porém, acaba perdendo o foco diante da polêmica envolvendo psicólogos e coaches que condenam a forma como o autor Walcyr Carrasco aborda o trauma da personagem Laura (Bella Piero). Por que um problema tão grave como o enfrentado pela moça está sendo tratado por uma advogada novata que fez um curso de coach e aprendeu a fazer hipnose? Por que não um profissional experiente e da área específica, como um psicólogo ou um terapeuta?

Porque trata-se de um "merchan", uma ação paga pelo Instituto Brasileiro de Coaching para divulgar o seu trabalho. Assim o autor força uma situação para justificar a ação de merchandising.
Leia: Cristina Padiglione, "Novela trata pedofilia com ação paga: merchan divide coaches e revolta psicólogos".

É coisa antiga e muito comum na televisão: profissionais que se sentem mal representados em novelas e vêm a público repudiar o trabalho de novelistas. Quase toda novela tem uma classe que se manifesta, acusando as emissoras de passarem uma imagem equivocada de seus profissionais. Há exatos 40 anos, os psicólogos rejeitaram o perfil da personagem vivida por Aracy Balabanian, uma psicóloga, na novela "Pecado Rasgado", de Silvio de Abreu. Só que em "O Outro Lado do Paraíso", Carrasco foi infeliz na condução do drama de Laura.

E nem é a única abordagem equivocada do autor. A novela descambou para um festival de absurdos em que a lógica foi totalmente abandonada e os personagens se movimentam sem a menor verossimilhança. Vide a questão da violência doméstica, justificada como um "problema espiritual" de Gael (Sérgio Guizé). E o nanismo, que poderia ser tratado de forma esclarecedora através de Estela (Juliana Caldas), mas que apenas é um trampolim para a vitimização e insegurança da personagem anã, o que serve somente para reforçar estereótipos e, consequentemente, preconceitos.

O reforço do preconceito está presente ainda no núcleo de Samuel (Eriberto Leão), o gay que levou o amante, a ex-mulher e a ex-mulher do amante para conviverem em sua casa ao lado da mãe. Um núcleo de humor raso e ultrapassado que já rendeu inclusive torta na cara – umas das marcas das novelas das seis horas de Carrasco. E dizer que o autor terminou sua novela "Amor à Vida" com uma bonita mensagem contra o preconceito à homossexualidade.

No outro lado da grade, "Malhação, Viva a Diferença", de Cao Hamburger, trata de forma madura assédio sexual, homossexualidade e tantos outros temas de interesse social. Não tem nem a metade da audiência e da repercussão da novela das nove porque o horário de exibição não permite. Entende-se que as propostas são diferentes. "O Outro Lado do Paraíso" perdeu toda a conectividade com a realidade, é uma atração que visa o entretenimento fácil e a audiência diária, na casa dos 40 pontos, comprova que a novela tem o seu público cativo.

Entretanto, se dentro da loucura de seu enredo o autor se propõe a por em pauta assuntos de interesse social, que venham embalados num mínimo de verossimilhança. Se não, vira desserviço mesmo.

Leia também, Maurício Stycer:
"Diretor reconhece falhas e concorda com críticas";
"É só 'mais uma novela'? Duas cenas que mostram que não".
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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