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"Onde Nascem os Fortes" propõe uma imersão profunda no sertão, diz diretor

Nilson Xavier

12/04/2018 07h00

Patrícia Pillar (foto: Estevam Avellar/TV Globo)

Essa frase do diretor José Luiz Villamarim resume bem o seu novo projeto, a supersérie "Onde Nascem os Fortes", que estreia dia 23 na Globo. Também contextualiza o #SertãoExperience, ação da área de Comunicação da emissora que levou um grupo de cerca de 40 jornalistas e influenciadores ao sertão da Paraíba para conhecer as locações da nova atração. Fui um dos convidados.

#SertãoExperience

A primeira parada foi na maior fábrica de bentonita do Brasil, no município de Boa Vista (longe 173 km de João Pessoa), onde o grupo foi recebido pelos autores da supérsérie, George Moura e Sérgio Goldenberg. Nesta locação foram gravadas sequências da fábrica de Pedro Gouveia (Alexandre Nero), que na trama explora o minério e é um dos homens mais poderosos da região. As cenas foram feitas com o local em funcionamento e empregados reais aparecem na supersérie executando suas rotinas do dia a dia.

Na área rural do município de Cabaceiras, o grupo esteve na Saca de Lã, uma formação natural de pedras dispostas umas sobre as outras, formando um grande paredão.

De lá, seguimos para o Lajedo do Pai Mateus, uma elevação rochosa com pedras redondas gigantes espalhadas ("uma paisagem lunar", ouvi de alguém) e uma vista deslumbrante para o sertão. Nesta locação foi construído o cenário do líder espiritual Samir (Irandhir Santos), uma enorme construção em formato de oca, mas sinuosa, feita com galhos entrelaçados – na verdade, peças de pvc, confeccionadas e pintadas para ficar com o aspecto dos galhos característicos da região, vistos nos arredores como cercas. A cenografia da supersérie é assinada por Alexandre Gomes.

#SertãoExperience com autores e diretor no cenário em Lajedo do Pai Mateus (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

Após o belo pôr do sol no Lajedo do Pai Mateus, fomos recebidos em um hotel fazenda pelo elenco e produção para a apresentação de "Onde Nascem os Fortes" e a coletiva de imprensa. Conversei com George Moura e José Luiz Villamarim sobre este projeto. "A proposta é uma imersão profunda no sertão. O sertão é um personagem, está dentro da história, faz parte da narrativa, contracena sem ser filmado", disse Villamarim. Foi a intensidade desse sertão que o grupo sentiu no #SertãoExperience, a mesma das chamadas da supersérie: uma natureza bruta, árida e bela.

Diferentemente da supersérie do ano passado, "Onde Nascem os Fortes" vai estrear quase completamente gravada, sem tempo para sentir a aderência do público ou grupos de discussão. "Estamos gravando no sertão há 5, 7 meses [entre idas e vindas]. A supersérie está [praticamente] pronta. A Globo resolveu investir em um 'produto de prateleira' [um produto fechado]. É uma aposta para o bem e para o mal", pontuou Villamarim.

George Moura foi mais longe: "Às vezes, o telespectador recebe um único prato. Se você pergunta o que ele quer, a tendência é ele pedir aquele prato. Tentamos agora oferecer algo novo. Para ele e para nós. É arriscado. Mas foi tentado."

#SertãoExperience na Saca de Lã (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

"Onde Nascem os Fortes" é o quinto trabalho de Moura e Villamarim nesta década. Juntos, eles fizeram as minisséries "O Canto da Sereia" (2013) e "Amores Roubados" (2014) e a novela "O Rebu" (2014) -também assinados por Sérgio Goldenberg, parceiro de Moura em "Onde Nascem os Fortes"- e o filme "Redemoinho" (2016). Moura afirmou que este é um dos trabalhos mais viscerais que a dupla já realizou. Perguntei sobre a parceria, já reconhecida pela assinatura Villamarim-Moura.

Moura: "Eu diria que é o processo de criação da palavra e da imagem. Chegamos a trocar 15, 20 telefonemas por dia sobre o trabalho. E às vezes até criamos novas coisas para uma cena. Então temos uma afinidade eletiva, o que é muito bom, porque mesmo quando divergimos, convergimos para alguma coisa. Temos referências e paixões parecidas. A gente se admira. É uma retroalimentação."

Villamarim: "Não me meto em roteiro, não sou roteirista. Mas me meto em escaleta. A gente vai para o set, para a ilha de edição. George é atuante. Não é um estabelecimento de poder, mas de parceria e de confiança. E de harmonia no desejo de fazer alguma coisa. A televisão tem isso 'novela de [nome do roteirista]'. A gente não tem isso. O diretor não escreve, mas participa da escaleta, é um intérprete daquele texto."

Sergio Goldenberg, José Luiz Villamarim e George Moura em Lajedo do Pai Mateus (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

"Onde Nascem os Fortes" é o primeiro trabalho autoral de George Moura na televisão. Os anteriores foram adaptações literárias, e "O Rebu", baseada na novela de Bráulio Pedroso. Perguntei se há algo de autobiográfico na supersérie, ou referências de sua vida.

"Do que escrevi para a TV é um dos trabalhos que mais fala de mim mesmo. Sou do Recife e sempre tive um fascínio muito grande pelo sertão. Meu pai vendia peças de carro [caixeiro-viajante], e ele queria que eu fosse um vendedor também. Muito jovem, eu já viajava com ele pelo interior do Nordeste. Minha mãe é uma pessoa muito religiosa. O nome da personagem da Débora Bloch, Rosinete, é o nome de uma irmã de minha mãe. [A personagem é muito religiosa] As rezas, por exemplo, eu aprendi muitas delas com minha mãe. Estudei em colégio marista e participei de vários retiros católicos. Conheço essa coisa da culpa, da formação católica, que tem na personagem da Rosinete. Ela tem uma religiosidade característica do sertão, mas a manifesta de outra forma: ela expia sua culpa correndo enquanto ouve Rachmaninoff. O personagem Hermano, do Gabriel Leoni, é um garoto que não saiu do sertão e que poderia ter saído. Eu tive essa dúvida, sai do Recife e fui morar em São Paulo, sempre com aquele medo de fracassar e ter que voltar. Acho que transparece muita coisa da minha vida, há várias confissões de minha intimidade. Obviamente repaginadas e retidas."

Fábrica de bentonita em Boa Vista (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

Perguntei a George Moura se há uma preferência por obras mais curtas do que uma novela. Ele me falou sobre algo que achei muito interessante: a 'dramaturgia da embaixadinha'.

"Prefiro as narrativas mais compactas porque assim é possível incutir uma reescrita. Porque só escrevendo e reescrevendo se consegue criar camadas. [Explicando] Você desenvolve a trama em capítulos e, quando chega lá adiante, tem um insight, uma nova ideia, e pode mexer para trás. Se você apresenta uma ideia que apareceu [na trama] de supetão, de forma gratuita, acontece o que chamo de 'dramaturgia da embaixadinha', que é algo que entrou como uma pirotecnia, não foi construída de uma forma sedimentada. O bacana para mim como roteirista é quando tenho a ideia [para uma cena de impacto] que foi construída [sedimentada] ao longo da trama. Se qualquer roteirista, que tenha rigor na escrita, tem a chance de voltar o capítulo e reescrever [sedimentando essa nova ideia, esse insight], resultará em um trabalho ainda melhor."

AQUI tem tudo sobre "Onde Nascem os Fortes": trama, elenco, personagens e curiosidades.
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Lajedo do Pai Mateus (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

 

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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