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Com trama lenta, "Onde Nascem os Fortes" não é para os fracos

Nilson Xavier

29/05/2018 22h47

Lee Taylor e Alice Wegmann (foto: Estevam Avellar/TV Globo)

Supersérie renega o título de novela e não faz concessões ao público, mas patina na verossimilhança quando interessa ao roteiro

Perdão pela antítese infame: "Onde Nascem os Fortes" não é para os fracos. A começar pelo espaço ingrato na grade da Globo: sem hora certa para começar e várias vezes extrapolando a meia-noite. Ainda mais neste momento, com o noticiário destacando a greve dos caminhoneiros, o que acaba por atrasar toda a programação noturna da Globo.

Não há audiência fiel que resista. A média no Ibope da Grande SP nestas primeiras cinco semanas é de 17,5 pontos. Ainda assim, acima da supersérie do ano passado no mesmo período, "Os Dias Eram Assim" (lembrando que esta melhorou a audiência depois da quinta semana, quando passou a ser exibida após a novela das 9 às quintas-feiras).

Além do sono no avançado da hora, há de se vencer a pior das barreiras de "Onde Nascem os Fortes": a morosidade da trama de George Moura e Sérgio Goldenberg. Com poucos núcleos, a história gira em torno da caçada da polícia de Sertão a Maria (Alice Wegmann). E gira mesmo, em círculos. Passaram-se cinco semanas e pouco da trama avançou. É um gato e rato tarde da noite que exige café e boa vontade do público.

Em meio à caçada da história central, as poucas tramas paralelas se desembaraçam no ritmo contemplativo do diretor José Luiz Villamarim. Não há dúvidas de que o produto é biscoito fino, para um público seleto. E não há concessões para este público. A supersérie encerrou as gravações nesta semana, faltando ainda mais da metade para ser exibida (oito semanas). Trata-se de um produto fechado, no qual não é possível a interferência da audiência. "É uma aposta", disse-me Villamarim em entrevista antes da estreia.

"Onde Nascem os Fortes" não foi feita para atender o tradicional público de novelas, o que lhe faz valer a nomenclatura de supersérie. Como afirmei acima, direção e autores não estão interessados em fazer concessões. O folhetim passa longe. Violência e nudez são mostradas sem pudor dentro do permitido no horário. Os bons fumam, bebem e metem os pés pelas mãos. Hermano (Gabriel Leone) ama Maria (Alice Wegman), mas transa descompromissadamente com Walquíria (Carla Salle).

Jesuita Barbosa e Enrique Diaz (foto: Estevam Avellar/TV Globo)

Não há a figura do vilão maniqueísta. Dentro da lei do mais forte, ditada pelo coronelismo, há o jogo de interesses entre Pedro e Ramiro (Alexandre Nero e Fábio Assunção), o que não impede que suas fragilidades (ou humanidade) sejam mostradas. O mais próximo do vilão é Plínio (Enrique Diaz), o homem produto do meio, como defende o Determinismo Geográfico: age de acordo com o que conhece dentro de seu universo. O delegado vive no fogo cruzado dos coronéis inimigos, fazendo o possível para atender a um e a outro ao mesmo tempo. É o melhor personagem.

Apesar de considerada "biscoito fino" e do roteiro não ceder ao folhetim, a supersérie patina na verossimilhança em alguns momentos. Por que Cássia (Patrícia Pillar) ainda não acionou um advogado para ajudar a filha fugitiva da polícia? Ou um órgão estadual superior para investigar os abusos da polícia local arbitrária e truculenta? Também é difícil aceitar que a figura de Shakira do Sertão (Jesuíta Barbosa) transite neste universo da forma como é mostrada. Ninguém na boate conhece Shakira de cara lavada? Como não reconhecem o filho do juiz? Onde ele se transforma: no carro, antes de entrar na boate?

Não interessa aos autores explicar porque não interessa ao roteiro. A "supersérie biscoito fino para o público seleto" também bebe da Lei de Glória Perez: "vamos voar!" No Brasil, o gene folhetinesco é tão presente na produção audiovisual que parece impossível escapar dele, mesmo quando se tenta.

PS: muitas das hypadas séries dos EUA também bebem do folhetim latino. Seus produtores e roteiristas apenas não reconhecem isso. Ou talvez nem saibam (assunto para um próximo post).

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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