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De telecurso a vídeo institucional: "Malhação" escorrega no didatismo chato

Nilson Xavier

03/08/2018 07h00

Alice Milagres, Rayssa Bratillieri e André Luiz Frambach (foto: reprodução)

O capítulo dessa quinta-feira (02/08) de "Malhação, Vidas Brasileiras" deve ter batido o recorde de merchandising social. Foram três abordagens: corrupção, alcoolismo e gênero e sexualidade. OK, acontecia uma feira no colégio da trama, na qual os alunos estão trabalhando temas de interesse da sociedade. O conteúdo é importante e pode ser levado à teleficção, ainda mais em uma atração destinada ao público jovem. Problema? Não no conteúdo, mas na forma.

A sequência sobre gênero e sexualidade, com os atores Yara Charry (Jade) e Pedro Vinícius (Michael), foi a que fluiu melhor – muito bonita, por sinal. Por outro lado, a cena em que Pérola (Rayssa Bratillieri), Maria Alice (Alice Milagres) e Márcio (André Luiz Frambach) apresentam um trabalho sobre corrupção – com frases feitas, decoradas – foi algo digno de declamação de jogral, de um didatismo mecânico de Telecurso. Ok, é um trabalho de escola, compreende-se que os alunos decoraram as falas para a apresentação. Mas na televisão, não pareceu novela, pareceu telecurso.

Logo depois, foi a vez de Enzo (Bruno Ahmed) e outros alunos explicarem os efeitos do alcoolismo para a professora Gabriela (Camila Morgado). Dessa vez soou como um vídeo institucional sobre o tema. Novamente, declamação de frases decoradas, que pareciam extraídas de um manual de saúde ou de uma página da Wikipédia. Faltou um trabalho melhor na direção dos atores novatos, naturalmente com poucos recursos de cena, ainda mais com um texto obrigatoriamente didático.

(reprodução)

A receita narrativa da atual temporada de "Malhação" não está ajudando muito na hora de passar para a tela as tramas criadas. Funciona assim: a cada duas semanas, um assunto de interesse social, que diz respeito a um personagem, vem à baila. Para depois de duas semanas sumir. Talvez volte a ser citado lá adiante.

Não é nada orgânica a maneira como o merchandising social entra na novela, o que sempre acaba resvalando em abordagens politicamente corretas extremamente didáticas e, por conseguinte, chatas. Falta sutileza e mais naturalidade na introdução e saída desses temas. Fica a impressão de que a intenção é "lacrar" (apenas repercutir) o assunto, depois "lacrar" o próximo, e assim sucessivamente sem a manutenção ou acompanhamento de resultados. Uma temporada inteira em que o importante é o lacre.

Outra crítica que cabe aqui é o universo irreal dos personagens da trama, dos alunos. Qual colégio, mesmo particular, reserva verba para apresentações tão "transadas", bonitas e bem realizadas como a da feira do Sapiência? Só a Globo, como vitrine que é, consegue esse verniz fora da realidade. Intensifica a ideia de que esse colégio não existe, é fake. Como convencer o público de abordagens a temas atuais, de nossa realidade, em um ambiente surreal, ou onde tudo acontece de forma tão pouco natural?

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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