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Virada de "Segundo Sol" subestima o público com trama repetida e preguiçosa

Nilson Xavier

11/09/2018 11h37

Quem matou Remy? (foto: reprodução)

Recentemente, ouvi de um roteirista da Globo, com larga experiência e produtos reconhecidos, que a emissora clama por boas ideias em dramaturgia. Mas elas não vêm. Das inúmeras que chegam, de pouquíssimas se pode aproveitar algo. Também tenho ouvido que este é O MOMENTO para quem quer investir na carreira de roteirista (de TV, cinema ou qualquer meio audiovisual). O mercado de dramaturgia está aquecido e há uma grande demanda por boas tramas.

A Globo corre contra o tempo para não perder o bonde da história. Existe uma geração, muito diferente da minha, que não sabe o que é TV aberta. Eu pertenço a um grupo que tem uma relação afetiva com um modelo de televisão fadado à extinção. Enquanto isso, a maior emissora do país tenta correr atrás de um povo que não vai criar qualquer laço afetivo com ela (a Globo TV aberta). A ideia não é fazê-lo ir até ela, mas estar onde esse público está. Daí a Globoplay e um modelo de streaming com conteúdo exclusivo que não vai para a TV aberta (ou quando vai, vai bem depois).

A concorrência com os mais modernos métodos de consumo de televisão é grande. Por isso a demanda da Globo (e de todas as produtoras de audiovisual, aqui e lá fora) por boas histórias. No universo das telenovelas, a preocupação maior não é com as novelas bíblicas da Record ou as infantis do SBT – essas redes brigam entre elas pelo comodismo do segundo lugar. A Globo está de olho no público que, por exemplo, deixa de acompanhar suas novelas e corre para a Netflix. Claro que é um público ainda pequeno quando comparado à grande massa que dá audiência à novela das nove. Mas como estará a televisão em dez anos? Quantos outros Netflix estarão ao alcance de um clique de controle remoto?

Quem matou Remy? (foto: reprodução)

Ou: até quando modelos de dramaturgia, como a de "Segundo Sol", terão a recepção irrestrita do "grande público"? A tão divulgada virada na trama de João Emanuel Carneiro, alardeada pela emissora e pela mídia nas últimas semanas, não passa de um engodo: uma trama batidíssima, inclusive vista na novela anterior no horário. A empolgação com "Segundo Sol" durou uns dois meses para depois a trama resvalar num rame-rame que culmina com a mocinha sem carisma repetindo os mesmos erros a fim de justificar um roteiro manjado e preguiçoso, que fez a novela voltar à estaca zero e acionar um quem matou e uma trama de vingança.

"Novela é a arte de contar uma mesma história, só que de forma diferente". Mas, convenhamos, dentro da mesma novela (inception?) e em duas novelas seguidas?! Já não estava na hora de termos roteiros melhor acabados, que não subestimassem a inteligência do público, que fizessem os autores saírem da zona de conforto de famigeradas vinganças e "quem matou"? Até quando vai durar esse público que prefere rever a mesma história a se sentir instigado em tramas que não subestimem sua inteligência?

Não critico o modelo, o gênero telenovela. Pelo contrário, a defenderei sempre. E é por sua defesa que escrevo. Todavia, diante de uma "Vale Tudo" (em reprise no Viva), o roteiro raso de "Segundo Sol" salta aos olhos. Novela não é série (apesar de muitas vezes uma se apropriar de características da outra) e não cabe por na mesma balança gêneros distintos (e detesto quando o fazem). Mas vamos falar de concorrência? – que é o que preocupa a Globo.

A Casa das Flores | O Tempo Não Para (fotos: divulgação)

Estou neste momento acompanhando a série "A Casa das Flores", na Netflix. Mexicana, estrelada por Verónica Castro, musa de um clássico da Televisa, "Os Ricos Também Choram" (olha a adequação aos novos tempos!). Não é novela, é uma série. Porém, cabe chamá-la de híbrido (até aí a grande maioria das badaladas séries da Netflix e HBO também são, série + novela). "A Casa das Flores" narra a história de uma família, diria até banal. Mas contada de uma forma tão espirituosa, divertida e em concordância com a atualidade que o que mais se destaca é o texto, não a história. Um texto que não te chama de burro.

A Globo sabe de tudo isso. Taí a novela das sete, "O Tempo Não Para", uma trama repleta de clichês folhetinescos, mas contada em um texto divertido, espirituoso e em concordância com a atualidade. Diverte. Escapismo (como disse Maurício Stycer em sua coluna na Folha). Por sinal, melhor que várias séries disponíveis na Netflix. É quando eu largo uma série para a ver a novela das sete!

Minha bronca é tão somente com a novela que subestima o público. Aí lembro de Beto Falcão e Luzia e dá vontade bater a cabeça no teclado. Quanto tempo durará a audiência para esse tipo de escapismo repetitivo? O bonde da história dirá.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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