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Com trama fraca, Segundo Sol seguiu o caminho mais fácil por audiência

Nilson Xavier

09/11/2018 23h35

Adriana Esteves (foto: reprodução)

Depois de seis meses de "Segundo Sol", não é difícil concluir que o  autor João Emanuel Carneiro optou pelo caminho mais fácil. A novela foi a mais irregular de sua autoria. Nada de recursos sofisticados, reviravoltas mirabolantes e ganchos surpreendentes, vistos em "A Favorita", "Avenida Brasil" e "A Regra do Jogo". "Segundo Sol" – terminada nesta sexta-feira (09/11) – não poupou o público de clichês e entrechos batidos, repetições de fórmulas, personagens fragilmente construídos, que agiam conforme a necessidade do roteiro, e soluções pouco engenhosas em uma narrativa que em momento algum se dispôs a desafiar o telespectador. A mais preguiçosa novela do autor.

A produção começou provocando auê. A Salvador contemporânea como cenário, a estética solar, o revival da música axé dos anos 90 e o ótimo sotaque na boca da maioria dos atores chamaram a atenção e fisgaram o público de imediato. O elenco bem escalado (a maior qualidade da novela) também surpreendeu. Mas foi fogo de palha. Uma ótima produção, com elenco bom em personagens cativantes, precisa de uma direção à altura e uma trama bem desenvolvida que não traia seu público. As críticas foram inevitáveis diante de furos de roteiro e uma história que foi ficando cada vez mais difícil de engolir.

Deborah Secco e Danilo Mesquita (captação @realitysocial)

Nem a direção (geral de Dennis Carvalho e Maria de Médicis) passou incólume. Além de alguns furos pontuais – como o homem dentro do barco e o os que vazaram no espelho -, faltou uma sintonia maior entre diretores e o texto de João Emanuel Carneiro. O autor é famoso por incluir "sequências de terror" em suas novelas (como as vistas em "A Favorita" e "Avenida Brasil"). A cena em que Luzia acorda com a cama tomada por mariscos, ou aquela em que Karola é aterrorizada por Galdino em seu apartamento, foram bem feitas tecnicamente, mas sem conseguir causar a comoção proposta pelo texto.

Tecnicamente, a direção se saiu melhor mesmo – como a sequência, há poucas semanas, em que o carro no qual Roberval foi tomado como refém capota (direção de Cristiano Marques). Algumas cenas que exigiram uma emoção maior dos atores também funcionaram, como a expulsão de Rosa de casa pelo pai, e o casamento de Roberval e Cacau desfeito no altar.

A trama inicial, do cantor Beto Falcão (Emílio Dantas) julgado morto, não era original, mas poderia ter rendido bem. Esvaziou-se lá pela metade da novela. Foi quando o autor fez de Luzia, vivida por uma Giovanna Antonelli apática, a grande protagonista de sua história. Não bastasse a personagem pouco cativante, em uma trama pouco crível, o autor, para justificar o seguimento da ação, fez dela uma mulher burra, que facilmente caía nas armações dos vilões.

Parte do elenco (foto: reprodução)

Ainda: lembra que Ariella era uma famosa DJ da Islândia? Um detalhe esquecido ou ignorado pelo script quando não lhe serviu mais. Haja boa vontade para ignorar que ninguém reconheceu Luzia em Ariella! Ou, quando Luzia foi presa pela segunda vez, esquecer que ela era "uma famosa DJ". Bem, se o povo de "Segundo Sol" já não reconhecia o ídolo Beto, que julgava morto, quem dirá uma DJ da Islândia!

Na falta de herói ou heroína de peso, João Emanuel Carneiro fez seus vilões carregarem a novela nas costas. Aí brilharam Laureta, Karola, Remy, Roberval, Rochelle e Rosa (um pouco mocinha, um pouco vilã e muito injustiçada pelo roteiro). Adriana Esteves, sempre excelente, ganhou as melhores falas da novela, mesmo, às vezes, repetindo os arroubos de Carminha. Letícia Colin e Chay Suede tiveram grandes momentos, foram amados e odiados pelo público, merecem todos os elogios. Deborah Secco mostrou um ótimo trabalho quando "a Rosa murchou" e a atriz acabou dominando, com Adriana Esteves e Vladimir Brichta, os últimos meses da trama.

Letícia Colin e Chay Suede (foto: reprodução)

No elenco, além dos citados acima, vale destacar os trabalhos de Fabrício Boliveira (apesar da trajetória enviesada de Roberval), Giovanna Lancellotti (mesmo a vilã Rochelle, na falta de uma trama própria, ter sido punida no final com uma doença, uma resolução infame), Fabíula Nascimento, Roberto Bonfim, Danilo Mesquita (fez tão bem o papel do garoto chato!), Caco Ciocler e Maria Luísa Mendonça (teve momentos tão bons). Outro mérito da novela foi ter revelado ao grande público os talentos de Kelzy Ecard (Nice) e Claúdia di Moura (Zefa) – que venham mais oportunidades!

Em "Segundo Sol", João Emanuel Carneiro rendeu-se à necessidade de agradar o público para alcançar audiência fácil. Talvez escaldado pela recepção suada que teve o seu trabalho anterior, "A Regra do Jogo", de trama central mais sofisticada. Ainda: tentando fugir da obrigação de arcar com uma nova "Avenida Brasil", exibiu um trabalho assumidamente "descompromissado". Tão descompromissado que acabou replicando o modelo de roteiro raso da novela anterior, "O Outro Lado Paraíso". Porém sem a mesma audiência: 33 pontos no Ibope da Grande SP contra 38 da atração anterior. Ainda assim, acima da meta de 30 pontos. "Segundo Sol" pode ter sido mais vista que "A Regra do Jogo", mas ficou longe do prestígio de "A Favorita" ou "Avenida Brasil".

Leia também: Maurício Stycer, "Só no fim, "Segundo Sol" mostra coragem para rir de si mesma e do Brasil".

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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