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Nem Aguinaldo Silva gosta de Porto dos Milagres: "uma novela traumática"

Nilson Xavier

11/02/2019 07h00

Antônio Fagundes e Cássia Kiss (foto: Acervo/TV Globo)

O canal Viva estreia, nesta segunda-feira (11/02), a novela "Porto dos Milagres", escrita por Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, originalmente exibida pela Globo em 2001 e nunca antes reprisada. Foi a última da fase dos autores sobre tramas regionalistas com realismo fantástico. Curiosamente, essa é uma novela que nem Aguinaldo Silva gosta!

"Porto dos Milagres" foi bastante criticada por não agregar nenhuma novidade ao universo dos autores. Na verdade, uma salada das novelas anteriores da dupla, que apontava para o esgotamento da fórmula. Jogue no liquidificador "Tieta", "Pedra Sobre Pedra", "Fera Ferida", "A Indomada" e "Meu Bem Querer" e o resultado é "Porto dos Milagres".

Aguinaldo Silva sentiu que o realismo fantástico em novelas regionalistas havia saturado. Tanto que negou-se a continuar nesta fórmula e passou a focar suas novelas em histórias urbanas ("Senhora do Destino", "Duas Caras", "Fina Estampa" e "Império"). O autor retornou ao realismo mágico somente 17 anos depois de "Porto dos Milagres": agora, com "O Sétimo Guardião".

Camila Pitanga, Marcos Palmeira e Flávia Alessandra (foto: Acervo/TV Globo)

Aguinaldo revelou a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo":
"'Porto dos Milagres' foi uma novela bastante traumática para mim. Sabe essa coisa de diretor que não sabe fazer? Pois é. Depois de 'Porto', pensei até em não escrever mais novelas. Virei para a Globo e disse: 'Estou de saco cheio, não quero mais'."
Marcos Paulo e Roberto Naar foram os diretores-gerais da novela. Marcos Paulo era ainda o diretor de núcleo.
Aguinaldo reconheceu: "Eu estava realmente em crise. Eu achei que 'Porto dos Milagres' era uma repetição de todas as novelas que eu já tinha feito."

Ricardo Linhares, o coautor, declarou ao livro "Autores, Histórias da Teledramaturgia", do Projeto Memória Globo:
"Começamos a sentir que as pessoas já não queriam mais viajar naquela fuga da realidade que oferecíamos com o realismo mágico, com a exacerbação do real. Elas estavam começando a estranhar coisas que não estranhavam antes. Tudo tem um ciclo, e o do realismo fantástico estava acabando ali."

A trama de "Porto dos Milagres" tem como base dois livros de Jorge Amado: "Mar Morto" e "A Descoberta da América pelos Turcos". Aguinaldo disse ao livro "Autores, Histórias da Teledramaturgia":
"Eu queria adaptar 'Mar Morto' havia muito tempo. Li o livro quando era adolescente (…) Quando o reli, percebi que ele tinha uma linguagem poética meio datada e que sua história não daria uma novela. Então tive que fazer uma adaptação muito livre. (…) Confesso que não tinha muita paciência com a trama romântica. Achava que aquela relação do pescador com a moça de classe média era uma história dos anos 1930, 1940. Hoje o romantismo não caminha mais por aí."

Outra inspiração para os autores foi "Macbeth", de Shakespeare, na trama em que Félix Guerreiro (Antônio Fagundes) recebe a previsão de uma cigana de que ele se tornaria rei, com as mãos sujas de sangue, tendo uma grande mulher por trás, Adma (Cássia Kiss). Aliás, Cássia Kiss foi o maior destaque da novela. A vilã Adma matava suas vítimas por envenenamento. Lembra do veneno dentro do anel? Por sua atuação, Cássia foi premiada com o Troféu Imprensa de melhor atriz de 2001.

A exemplo de "Segundo Sol", no ano passado, "Porto dos Milagres" também sofreu críticas por parte de movimentos negros da Bahia e de outros estados, pelo número reduzido de atores negros no elenco de uma novela ambientada na Bahia. Ainda: no início, a novela sofreu uma campanha negativa por parte de católicos e evangélicos que não gostaram de ver na trama a forte presença do candomblé e do culto a Iemanjá. Os autores foram obrigados a diminuir este particular na novela.

AQUI tem tudo sobre "Porto dos Milagres": trama, elenco completo, personagens, curiosidades e trilha sonora.

"Porto dos Milagres" estreia no Viva nessa segunda-feira, 11/02, em substituição a "Vale Tudo", às 15h30 com reprise à meia-noite.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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