Topo

“Saramandaia” levanta a questão do aborto de forma mais eficiente que “Amor À Vida”

Nilson Xavier

17/07/2013 11h29

Laura Neiva e Lívia de Bueno em cena de "Saramandaia" (Foto: Divulgação/TV Globo)

Logo na segunda semana de "Amor À Vida" (a novela das nove da Globo), o público foi pego de surpresa ao se deparar com um diálogo conservador e unilateral sobre o aborto. Na sequência, o médico César Khoury, vivido por Antônio Fagundes, se posiciona sobre o tema mencionando Deus para justificar seu discurso. Causou estranhamento porque não houve o contraponto, o outro lado na discussão. À primeira vista, pareceu que o autor Walcyr Carrasco, usando um personagem (inicialmente) bom, interpretado por um ator conhecido e querido, estava levantando uma bandeira ultraconservadora sobre o tema. Seria este o sentido que o autor quis dar para o título da novela, "Amor À Vida"? A cena deu o que falar. O jornalista Maurício Stycer, em seu "UOL Vê TV", comentou o fato na época – assista AQUI.

Abaixo, o diálogo apresentado na novela.

Médico: "A minha missão é salvar vidas."
Paciente: "Mas veja a minha situação, doutor!"
Médico: "Situação que você mesma criou! Não tomou precauções e agora quer se livrar dessa criança. É uma vida que tá aí dentro. Sei que muita gente acha que Deus não existe. Mas, para mim, um bebê é a prova mais concreta de que Deus existe!"

Nesta terça-feira (16/07), foi a vez de "Saramandaia" (a trama das onze, escrita por Ricardo Linhares) trazer à baila o tema aborto. Agora, o assunto foi tratado pelo outro lado, o contraponto do discurso do médico de "Amor À Vida". Apesar de – novamente – não se ouvir a outra parte, os argumentos usados em "Saramandaia" foram mais concretos que os do Dr. César Khoury. O diálogo ocorreu entre uma tia (Laura/Lívia de Bueno) que fizera aborto e sua sobrinha (Stela/Laura Neiva) "cabeça aberta" – como bem pontuou Ricardo Linhares na fala da personagem. Veja abaixo.

Sobrinha: "Acho um absurdo o aborto não poder ser feito às claras, em clínicas boas. A mulher é dona do próprio corpo. A gente que decide se quer ter o filho ou não."
Tia: "Que bom que você tem essa cabeça tão aberta! Eu engravidei porque não me cuidei. Não insisti para que ele usasse camisinha."
Sobrinha: "Essa gravidez não foi uma decisão. Foi um acidente!"

Passaram-se dois meses da conversa sobre aborto em "Amor À Vida". O médico César vem se revelando um homem nada ético ou certinho, pouco condizente com seu discurso religioso lá do início. Carrasco não voltou a tocar no tema. Seria aquela fala do médico a opinião do próprio autor? Ou Carrasco ainda usará, mais adiante, esse diálogo contra o personagem? É aguardar para ver. A sensação que ficou até agora foi a de que a opinião do Dr. César apenas enfeitou a novela sem finalidade alguma a não ser exprimir uma opinião solta e sem objetivo dentro da trama. E ultraconservadora. Em tempos em que se discute amplamente o aborto, chega a parecer um desserviço a forma como o assunto foi mencionado no programa de maior audiência da TV aberta brasileira.

Sem querer polemizar sobre o tema, fazer julgamento de valor, ou levantar bandeira, acho que "Saramandaia", dentro de sua proposta de discutir a diversidade e o preconceito, ao menos leva a questão de uma forma mais prática, com argumentos concretos – e não apenas religiosos ou difusos. Argumentos estes que – quem sabe -, através da ficção, poderiam levar a uma discussão eficiente sobre o tema.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

Blog do Nilson Xavier