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65 anos de TV: 200 milhões de críticos explicam a crise de A Regra do Jogo

Nilson Xavier

18/09/2015 12h38

Guilherme Winter como Moisés em

Guilherme Winter como Moisés em "Os Dez Mandamentos" (Foto: Divulgação/TV Record)

O brasileiro tem vocação nata para televisão. Seja como profissional ou como público. Somos mais de 200 milhões de críticos, opinando, explicando ou justificando. A TV brasileira aqui chegou há exatos 65 anos e encontrou um terreno fértil para profissionais criativos e um público exigente. O que era artesanal em sua primeira década (anos 1950), industrializou-se e profissionalizou-se, atingindo um nível que a levou a ser reconhecida mundialmente. E este know-how do público foi sendo aprimorado e repassado de geração a geração, até a atualidade.

Saímos da geração criada pela TV – que fez as vezes de uma babá eletrônica (da qual também faço parte) -, e chegamos a um importante momento de mudança, em que os apelos eletrônicos são outros e estão pulverizados. A nova audiência já nasce sabendo acessar smartphones e toda a parafernália tecnológica moderna, ao alcance dos dedos ou nas nuvens.

Isso se reflete no atual cenário televisivo – hoje, 18 de setembro, dia em que se comemora os 65 anos da TV no Brasil. Mais especificamente na crise que a líder TV Globo enfrenta em seu prime-time. Num fenômeno que se repete uma vez a cada década (e olhe lá!), a hegemonia global é ameaçada em seu principal horário de audiência e faturamento.

Só mesmo a vocação do brasileiro para a televisão e seu nível de exigência para fazer surgir esse cenário de concorrência saudável e qualificada. Que bom que fosse sempre assim: programação diversificada e de qualidade, bom para o público e para os profissionais. A audiência da TV em geral, que vem caindo ano a ano – reflexo dos novos hábitos e outras formas de entretenimento (tv a cabo, videogames, internet, novas mídias) -, chega neste momento a um patamar sui generis.

A TV Record estreou sua novela bíblica "Os Dez Mandamentos" uma semana após a Globo lançar "Babilônia", que acabou espinafrada pela opinião pública, amargando a pecha de "menor audiência da história do horário nobre global". Parte desse público que desaprovou a trama de "Babilônia" endossou a história bíblica da concorrente – ainda que o confronto nunca tivesse sido direto, mas por alguns minutos. Outra parte ficou no SBT, com suas novelas infantis, ou em outros canais. Outra parte migrou para a TV a cabo. Outra, simplesmente desligou a TV para jogar, para acessar a Internet, para assistir séries, ou para fazer qualquer outra coisa.

Vanessa Giácomo, Alexandre Nero e Giovanna Antonelli na chamada de

Vanessa Giácomo, Alexandre Nero e Giovanna Antonelli na chamada de "A Regra do Jogo" (Foto: Divulgação/TV Globo)

A Globo antecipou o fim de "Babilônia" para tentar "correr atrás do prejuízo" e apostou todas as fichas em sua nova novela, "A Regra do Jogo" – "do mesmo autor de 'Avenida Brasil'", como fez questão de salientar nas chamadas – com produção de primeira, elenco estelar e direção com uma novidade, a "caixa cênica". A Record, por sua vez, mostrou-se preparada. Com os bons números que sua trama vinha obtendo, reservou a melhor parte da história bíblica, a que chamaria mais a atenção do público (as pragas do Egito), para enfrentar a novidade global.

Entretanto, não é justo comparar as primeiras semanas de "Babilônia" com essas primeiras semanas de "A Regra do Jogo". Não é um mesmo peso e medida. "Babilônia" pegou a audiência em alta da novela anterior, "Império", e sem concorrência. A Record colocou "Os Dez Mandamentos" depois, e foi conquistando público aos poucos. "A Regra do Jogo", por sua vez, pegou a audiência do horário em baixa e no momento de maior promoção de "Os Dez Mandamentos", com público cativo.

Ainda: sempre que uma novela começa, ou ela "pega de cara", ou ela precisa de um tempo para o telespectador comprar a nova história. "A Regra do Jogo" já mostrou não ser uma novela fácil, prioriza a ação policial, com uma trama complexa. Talvez não fosse a história certa para este momento.

Conclusão: a TV brasileira alcança seus 65 anos vendo a poderosa Rede Globo se desdobrando para não bater a sua principal novela de frente com "Os Dez Mandamentos" da concorrente. No embate direto, a audiência da Record, quando não é maior, é bem próxima. Vai ser difícil para a emissora carioca conquistar público para sua nova trama enquanto "Os Dez Mandamentos" estiver no ar.

Enquanto isso, a tática usada pela Globo é espichar o "Jornal Nacional" o máximo para fugir da trama da Record. A emissora concorrente, por sua vez, se aproveita da situação, tardando ela mesma sua principal atração. Isso sem falar nos capítulos a mais que "Os Dez Mandamentos" já ganhou, visando aproveitar ao máximo o atual momento. Haja enrolação e praga no Egito!

Somos 200 milhões de críticos de televisão, cada um com sua fórmula de sucesso para explicar o atual cenário, cada qual baseado em seu próprio conhecimento, universo, gosto pessoal ou torcida, por uma ou outra emissora ou atração. Brinco que, quem sabe, a TV Globo sairia da crise, ou a Record conquistaria a hegemonia definitiva, se contratassem cada um dos 200 milhões de especialistas e críticos em televisão desse país.

Leia também: Maurício Stycer: "Os Dez Mandamentos afeta A Regra do Jogo e o JN de forma quase igual".

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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