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Sua Vida Nos Pertence: sem Vida Alves, TV brasileira não teria sua memória

Nilson Xavier

04/01/2017 10h43

À esquerda com Walter Forster, em 1951, na novela

À esquerda com Walter Forster, em 1951, na novela "Sua Vida Me Pertence". Fotos: Pró-TV

A Beijoqueira

Morreu nossa querida Vida. A beijoqueira. A pioneira. Figura ímpar na classe artística desse país. Walter Forster (1917-1996), então diretor da Tupi nos primórdios da televisão, a chamou para fazer com ele o primeiro beijo de nossa telinha. Vida Alves tinha 23 anos na ocasião. Isso aconteceu em dezembro de 1951, na primeira telenovela, "Sua Vida Me Pertence". Sua vida agora pertencia à história do país.

Um selinho inocente. Ou menos que isso. Um encostar de lábios, como declarou Vida em várias entrevistas. Mas a beijoqueira foi além: protagonizou ainda o primeiro beijo homossexual da TV brasileira! No teleteatro "Calúnia", no início da década de 1960, ela e Geórgia Gomide se beijaram em cena. Não existem registros desse nem do beijo anterior. Isso diz muito sobre a preservação de nossa memória.

Memória é a palavra à qual Vida Alves esteve associada. Primeiro porque a dela era prodigiosa! E como falava bem! Vida Alves era uma entertainer. Foi atriz, escritora e apresentadora de televisão (teve um programa feminino na década de 1960). Ouvi-la contar "causos" sobre a TV era puro deleite. Sempre que podia, ia vê-la, ouvi-la. Nas entrevistas de TV ou nas celebrações da Pró-TV, entidade que presidia.

Os Pioneiros

Um dia, Vida Alves resolveu juntar uma galera mais experiente que ainda trabalhava em TV ou que já estava aposentada dela. Seus colegas atores, diretores e técnicos, gente que fez e que ajudou a construir nossa televisão. Os pioneiros. Com a ajuda deles, criou, em 1995, a PRÓ-TV, a Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão no Brasil, como forma de preservar a memória de nossa TV. A ideia era criar, através dela, o Museu da Televisão Brasileira.

O térreo de sua casa, no bairro do Sumaré, em São Paulo, foi o quartel-general (pertinho da sede da antiga TV Tupi, hoje MTV). Lá, Vida e demais pioneiros juntaram um farto material entre documentos, fotos, publicações, itens de cenários e figurinos, câmeras, televisores antigos e parafernália de TV. Foram mais de 20 anos da entidade sob seu comando, em que Vida, acima de tudo, conscientizou a classe artística da necessidade da manutenção de sua memória. Vida fez barulho, foi às emissoras, aos jornais, conquistou apoios poderosos. E deixou pupilos, como Elmo Francfort, seu braço direito, a filha, Thais Alves, e tantos outros.

Sua Vida Nos Pertence

Vida Amélia Guedes Alves nasceu em 15 de abril de 1928, em Itanhandu, Minas Gerais. Radioatriz, foi naturalmente para a televisão, o novo veículo que surgiu no Brasil em 1950. Atuou em várias novelas e teleteatros, principalmente na TV Tupi, durante as décadas de 1950 e 1960. Esteve longe da telinha entre os anos de 1970 e 1980. Mas voltou com força total em 1995, não na frente da tela, mas nos bastidores, comandando a Pró-TV.

Vida partiu na noite dessa terça-feira (03/01), aos 88 anos. Estava internada desde dezembro num hospital em São Paulo. Não resistiu e morreu de falência múltipla dos órgãos. O velório segue no cemitério do Araçá e o enterro está previsto para as 16 horas dessa quarta (04/01).

Sempre me admirei com aquela mulher de corpo frágil, mas olhar brilhante e carismático. Recebia a todos com a fala mansa e gostosa, palavras bonitas e um sorriso no rosto. Vida cativava com a oratória, inteligente e espirituosa que era. Foi assim que a encontrava e é essa a lembrança que sempre guardarei dela. O seu maior legado – a Pró-TV – é importantíssimo para a memória do Brasil. Muito precisa ser feito. Queria evitar o trocadilho, mas não seria exagero dizer que Vida deu a sua pela memória de nossa televisão. Devemos tanto a ela!

Para ler: "Televisão Brasileira: O Primeiro Beijo e Outras Curiosidades", Vida Alves, Editora In House (2014)
"Vida Alves – Sem medo de viver", Nelson Natalino, Imprensa Oficial (2013)

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No lançamento de seu livro, em abril de 2014

No lançamento de seu livro, em abril de 2014

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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