Durante Regime Militar, o povo abria asas com Dancin'Days, mas só na ficção
Há exatos 40 anos, estreava a novela "Dancin´ Days", um marco da televisão brasileira. Com um interessante retrato social traçado por Gilberto Braga (o autor) e Daniel Filho (o diretor), a produção, que virou coqueluche nacional, fez multiplicar discotecas pelo país afora, impulsionadas pela sua repercussão.
A metáfora na letra da música de abertura convidava o público: "abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia, entre nessa festa!". Mas apenas através da vitrine de ilusões do horário mais nobre da TV. Em pleno contexto do Regime Militar ("a gente às vezes sente, sofre, dança sem querer dançar"), tudo era devidamente vigiado de Brasília: as asas ainda eram podadas e nada de soltar as feras contra o Governo Federal. O convite era apenas à fantasia, à fuga da realidade: "na nossa festa vale tudo…"
A onda disco, as meias de lurex, os atores mais queridos do público, o remake: 10 curiosidades sobre a novela.
01. Sucesso inesperado
Foi a estreia de Gilberto Braga no horário nobre da Globo. Na verdade, uma aposta. O autor vinha de alguns sucessos às 18 horas e recebeu todo o suporte do diretor Daniel Filho. A trama – ex-presidiária tenta refazer a vida e conquistar o amor da filha, que mal a conhecia, criada pela irmã megera e carreirista – foi baseada em um argumento de Janete Clair (intitulado "A Prisioneira"). O sucesso foi inesperado: nem mesmo Gilberto acreditava nele.
02. A discoteca
A novela divulgou a onda disco e impulsionou a proliferação discotecas por todo o país. A ideia de usar uma boate como pano de fundo da história partiu do diretor Daniel Filho. A novela pegava carona no filme "Os Embalos de Sábado à Noite" (com John Travolta), que chegava ao Brasil na ocasião. O principal cenário era mesmo a discoteca, onde os personagens se encontravam e discutiam seus dramas, ainda que em meio à penumbra e som ambiente e entre dezenas de figurantes que dançavam enlouquecidos. O título surgiu da boate de Nelson Motta, a "Frenetic Dancing Days Discothèque" – citada na música "Tigresa", de Caetano Veloso (gravada por Gal Costa na época). A discoteca foi mantida pelo produtor musical durante quatro meses em 1976, no recém-inaugurado Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro. Com o sucesso da novela, Nelson Motta a reabriu em 1978, mas em outro local, no alto do Morro da Urca. Ela narra em seu livro "Noites Tropicais":
"Todas as sextas e sábados três mil pessoas lotavam os bondinhos (…) Muita gente que confundia a novela com a discoteca, que imaginava 'estar' na novela, que esperava encontrar a Sônia Braga dançando na pista."
03. Sônia Braga
Betty Faria foi cogitada para o papel de Júlia Matos, a protagonista. Mas a atriz estava envolvida com seu programa musical "Brasil Pandeiro" e não quis fazer a novela. Gilberto Braga queria Yoná Magalhães, mas Daniel Filho apostou em Sônia Braga, apesar de ela ser nova para o papel. A atriz tinha 28 anos na época e, na trama, sua personagem começava trintona, após onze anos de cadeia, com uma filha de 15 (a personagem de Glória Pires). Por isso, no início, quando Júlia sai da prisão, Sônia aparece envelhecida, com maquiagem, penteado e roupas simples, dentes escurecidos, postura curvada e olhar sério e baixo. Só se transforma na pantera quando a personagem tem uma virada na trama, ao voltar rica e repaginada de uma viagem.
04. As meias de lurex
Sônia Braga ditou moda com roupas de cetim e meias soquetes de lurex, que viraram mania nacional. As meias eram fosforescentes, listradas e coloridas, usadas com sandálias de tiras e salto alto. Para a marcante cena da volta triunfal de Júlia, no capítulo 79, a figurinista Marília Carneiro criou uma calça jogging vermelha de cetim com listras laterais. Completando o visual, a personagem usava as sandálias de salto fino sobre as tais meias de lurex.
05. Norma Bengell substituída por Joana Fomm
Às vésperas da estreia, várias cenas tiveram que ser regravadas com Joana Fomm substituindo Norma Bengell no papel da vilã Yolanda Pratini. Daniel Filho comentou em seu livro "Antes que me Esqueçam":
"O papel era muito bom, mas ela [Bengell] não conseguiu adaptar-se ao ritmo das gravações. Seus tempos de criação, suas propostas de interpretação não eram compatíveis com a novela. (…) As cenas saíam com dificuldade. O motivo principal era certamente o fato de ela se sentir menos prestigiada, porque o tratamento que recebia na televisão não era o mesmo a que estava acostumada no cinema. (…) Claro que ela tinha talento para fazer o papel. O que faltava nela era entrosamento com o ritmo da televisão. A saída, então, foi substituí-la."
Num erro de edição, deu para ver Norma em uma cena de externa do capítulo 6, quando Yolanda deixa Marisa (Glória Pires) de carro na porta da escola de sapateado. Antes de substituir a atriz, Joana Fomm estava escalada para viver Neide, empregada na casa de Celina (Beatriz Segall). Com a substituição, a atriz Regina Viana foi convocada para o papel de Neide.
06. Cenas marcantes
Uma das mais icônicas cenas da teledramaturgia brasileira: a volta triunfal de Júlia (Sônia Braga), depois de um banho de loja, como a mais nova pantera da sociedade carioca ("pantera" = gíria da época para mulher bela, sensual, que os homens desejam e as mulheres querem imitar), dançando com Paolette (do Dzi Croquettes) na discoteca da novela.Outra sequência inesquecível foi o acerto de contas final entre as irmãs antagonistas Júlia e Yolanda, no último capítulo. Daniel Filho menciona no livro "Antes que me Esqueçam":
"Dancin´ Days teve um dos finais mais emocionantes de gravar. (…) Houve momentos em que tive dificuldade de gravar closes dos atores, pois a emoção tomava conta deles. (…) Eu tinha que marcar a última cena, que era entre Sônia Braga e Joana Fomm. Era a cena em que as duas irmãs brigavam, uma cena de ódio e de amor. Depois se aproximavam, se abraçavam e pediam perdão uma à outra. (…) Acho a cena maravilhosa para televisão. Mas o choro que tomou as duas não foi o choro das personagens Júlia e Yolanda. Foi o choro de Sônia Braga, foi o choro de Joana Fomm, o choro da despedida de um enorme sucesso, de uma enorme satisfação, da satisfação do sucesso de toda uma família."
07. A trilha sonora
A trilha sonora nacional não tinha um tema romântico para o casal central, Júlia e Cacá (Sônia Braga e Antônio Fagundes). Foi então escolhida uma música gravada por Roberto Carlos que fazia sucesso na época, "Outra Vez". Regravada por Márcio Lott, foi vendida à parte, em um compacto simples. A música que mais tocou na novela – além da abertura, com as Frenéticas – foi "Amanhã", de Guilherme Arantes, tema de Júlia. Marcou também a canção "João e Maria", melodia composta por Sivuca em 1947 que ganhou letra de Chico Buarque trinta anos depois. Gravada por Chico e Nara Leão, foi tema do casal adolescente Beto e Marisa (Lauro Corona e Glória Pires). "A empatia da música com os personagens foi tamanha que, em outubro daquele ano [1978], Lauro Corona e Glória Pires cantaram o tema em uma apresentação para o Fantástico" (Guilherme Bryan e Vincent Villari no livro "Teletema – A História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira"). Outras músicas de destaque da trilha nacional foram "Agora é Moda" (Rita Lee) e "Kitche Zona Sul" (Ronaldo Resedá).
A trilha internacional vendeu quase um milhão de cópias – batendo o recorde anterior, a trilha nacional da novela "Estúpido Cupido" (1976), com músicas dos anos 1960. Das 14 músicas do LP Dancin´ Days Internacional, 9 eram de discoteca. O maior destaque era o medley de hits do conjunto Bee Gees, gravado pelo quinteto feminino Harmony Cats. "A música mais curiosa do álbum é "Automatic Lover", space disco da inglesa Dee D. Jackson, que narra a paixão de um robô por uma garota intergaláctica" (livro "Teletema"). Tocaram incessantemente na novela as baladas "I Loved You" (Freddy Cole), "Three Times a Lady" (Commodores) e "Follow You Follow Me" (Genesis), e na discoteca "Macho Man" (Village People), "Rivers of Babylon" (Boney M) e "Scotch Machine" (Voyage).
08. Retornos e estreias
"Dancin´ Days" marcou a estreia em novelas dos então jovens atores Lauro Corona e Sura Berditchewsky. O ator Reginaldo Faria, que até então participava esporadicamente de novelas, passou a ser o mais novo galã da Globo e um dos mais requisitados, tendo atuado em novelas seguidas a partir de então. Foi ainda a primeira novela na Globo de Cláudio Corrêa e Castro, que vinha da Tupi de São Paulo, e de Beatriz Segall, que retornava à televisão depois de anos afastada. A atriz aparecia creditada na abertura como "Beatrix Segall", com "x", por uma sugestão de Daniel Filho. Numa entrevista à revista Amiga, antes da estreia de sua novela seguinte, "Pai Herói", Beatriz disse que havia solicitado que voltassem a grafar seu nome de maneira correta.
09. Prêmios
A APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) elegeu Joana Fomm, Yara Amaral e Gracinda Freire, por seus trabalhos na novela, as melhores atrizes da TV em 1978 (juntamente com Cleyde Yáconis, pela novela "Aritana", da Tupi). Lauro Corona levou o prêmio de Ator Revelação (com Eduardo Conde, por "Sinal de Alerta") e Glória Pires a Atriz Revelação.
10. Remake em Portugal
Exibida em Portugal entre 1979 e 1980 (pela emissora RTP 1), "Dancin´ Days" repetiu lá o sucesso daqui. Em 2012, a Globo em uma parceria com outra emissora, a SIC, produziu para a TV portuguesa um remake da novela, com elenco português. Foi a segunda coprodução realizada em parceria com essa emissora (a primeira foi a novela "Laços de Sangue", exibida em Portugal em 2011). Esta adaptação, a cargo de Pedro Lopes, apesar de ter fugido bastante do original de Gilberto Braga, registrou relevante sucesso para a SIC. Ficou no ar por mais de um ano: de junho de 2012 a setembro de 2013, totalizando 336 capítulos (contra 174 da novela original).
AQUI tem tudo sobre "Dancin´ Days": trama, elenco, personagens, trilha e mais curiosidades.
Foto: Acervo Globo.
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