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Elenco estelar, mas atores desperdiçados: Baila Comigo estreia hoje no Viva

Nilson Xavier

20/08/2018 07h00

Tony Ramos e Natália do Valle

O canal Viva estreia nesta segunda-feira, às 14h30, a novela "Baila Comigo", considerada um clássico da TV brasileira, exibida uma única vez, no longínquo ano de 1981 (há 37 anos, portanto). É a oportunidade de ver ou rever uma produção muito diferente das de hoje em dia, com outra narrativa, e um dos melhores elencos já reunidos pela Globo em uma novela. Foram tantas estrelas juntas que o autor, Manoel Carlos, não conseguiu dar o devido destaque a todas dentro da trama. Houve quem ficasse descontente com os rumos de seu personagem, e quem pedisse para alterar a ordem de aparição do nome na abertura da novela.

A Globo reuniu em "Baila Comigo": Tony Ramos, Raul Cortez, Lílian Lemmertz, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Natália do Valle, Betty Faria, Reginaldo Faria, Christiane Torloni, Lídia Brondi, Lauro Corona, Beth Goulart, Tereza Rachel, Carlos Zara, Cláudio Cavalcanti, Susana Vieira, Otávio Augusto, Milton Gonçalves, Arlete Salles e outros.

Beth Goulart e Lauro Corona

Para começar, Manoel Carlos queria Fernanda Montenegro para viver a protagonista Helena. Mas a direção da Globo preferiu escalar Lílian Lemmertz. Maneco então criou uma personagem especialmente para a sua predileta: Silvia, que na trama era uma famosa atriz de teatro. Mas Silvia não rendeu. Além de ter entrado no meio da novela, Fernanda precisou sair antes porque foi escalada para a produção seguinte, "Brilhante". Em entrevista, Maneco queixou-se da censura do Governo Federal:
"O maior problema com a novela é a censura, que cortou todo o relacionamento dos personagens interpretados por Raul Cortez e Fernanda Montenegro, absolutamente necessários ao seguimento da história".

Foram muitos atores acostumados a serem principais que tiveram de se conformar como coadjuvantes. De acordo com o roteiro da novela, os grandes protagonistas eram os gêmeos Quinzinho e João Vitor, que não se conheciam, vividos por Tony Ramos. Logo abaixo, os pais biológicos dos rapazes, Quim, papel de Raul Cortez, que criou João Vitor, e Helena, interpretada por Lílian Lemmertz, que ficou com o outro gêmeo, Quinzinho. O casal se separou assim que as crianças nasceram e cada um foi para um canto. A novela começa com os gêmeos adultos e a possibilidade de eles se encontrarem.

Fernanda Montenegro e Tereza Rachel

Havia os pares românticos dos gêmeos. Natália do Valle era a jovem médica Lúcia, apaixonada por Quinzinho. O interesse amoroso de João Vitor foram algumas mulheres, mas ele termina a trama ao lado de Mira, vivida por Lídia Brondi. Entre os vilões, Caio (Carlos Zara), desafeto de Quim, e Marta (Tereza Rachel), mulher de Quim.

Betty Faria e Reginaldo Faria, atores do primeiro escalão da Globo – que um ano antes eram protagonistas da novela "Água Viva", um grande sucesso -, se contentaram em ser coadjuvantes em "Baila Comigo". Embora Reginaldo tivesse seu nome creditado por primeiro na abertura da novela, seu personagem Saulo não passava de um papel menor em uma trama paralela. Isso não incomodava o ator, mas seu nome abrir os créditos sim, uma vez que Tony Ramos, o legítimo merecedor da primazia, vinha em segundo. Reginaldo chegou a reclamar diretamente com Boni (superintendente da Globo na época), sugerindo inclusive que seu nome fosse para um setor dos créditos como "participações especiais" ou coisa do tipo, se a intenção da emissora era destacá-lo. Mas nada feito.

Lílian Lemmertz | Betty Faria

Já para Betty Faria, a novela em nada agregou em seu currículo. Ela vivia Joana, uma dançarina que vai dar aulas na academia da novela. Aproveitava-se assim a cancha de dançarina da atriz, com muitas, muitas apresentações da personagem em coreografias, que só enchiam linguiça. Joana não tinha maior função em "Baila Comigo" a não ser difundir a dança moderna e justificar o título da novela, que tinha uma academia de dança como cenário e pano de fundo. "Baila Comigo" vinha no rastro do sucesso no Brasil do filme "Fama", de Alan Parker (1980).

Cláudio Cavalcanti não gostou dos rumos de seu personagem, Guilherme, desenvolvido de maneira bastante diferente do que previa a sinopse original e do que foi proposto ao ator. Conforme o inicialmente planejado, Guilherme se aliaria à vilã Marta (Tereza Rachel) em uma vingança pessoal contra Quim (Raul Cortez), já que este abandonaria a mulher para unir-se a Helena (Lílian Lemmertz), que ficaria viúva de Plínio (Fernando Torres). Mas o público não gostou de saber da morte de Plínio, um dos personagens mais queridos da novela, e a reação fez com que o autor o mantivesse vivo durante toda a trama. Isso desviou a rota do personagem Guilherme, que ficou sem função na história.

Arlete Salles e Reginaldo Faria

Outras curiosidades:

"Baila Comigo" foi a primeira novela solo de Manoel Carlos no horário nobre da Globo. O autor vinha de dois sucessos às 18 horas, "Maria Maria" e "A Sucessora" (exibidos entre 1978 e 1979), e da colaboração a Gilberto Braga em "Água Viva" (em 1980). Maneco também fez parte da equipe de roteiristas do seriado "Malu Mulher" (entre 1979 e 1980).

A Globo apostava novamente na estética e estilo de "Água Viva", com uma atração solar, realista, propondo um crônica de costumes da sociedade carioca do início dos anos 1980. Com o texto sofisticado de Manoel Carlos, "Baila Comigo" tornou-se um dos maiores sucessos da televisão em 1981, lançando modismos entre a juventude e divulgando as belezas naturais do Rio de Janeiro.

Natália do Valle e Tony Ramos

Tony Ramos recebeu aplausos da crítica pelo desafio de fazer o duplo papel dos gêmeos, recorrendo apenas à caracterização e a recursos técnicos de voz, postura corporal e respiração para viver personalidades tão diversas. Sobre sua interpretação, o ator comentou em entrevista ao jornal O Globo, publicada em 05/04/1981:
"Quando vou interpretar o Quinzinho, me preparo fazendo ginástica, dando uma corrida. Procuro me exercitar ao nível físico, até transpirar um pouco. Busco seu clima caloroso conversando com os colegas, contando piadas, essas coisas. Na hora do João Victor, faço o exercício de forma inversa. Procuro ficar sozinho num canto, me recolho. Busco uma postura mais reservada, um temperamento mais fechado, contido."

A APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) elegeu Tony Ramos e Fernando Torres os melhores atores da televisão em 1981. Já Lílian Lemmertz foi eleita a melhor atriz. Tony foi ainda premiado com o Troféu Imprensa de melhor ator de 1981.

Tony Ramos, Fernando Torres e Lílian Lemmertz

Lílian Lemmertz viveu a primeira da série de Helenas perpetuadas por Manoel Carlos em seus trabalhos posteriores. Curiosamente, a última das Helenas de Maneco foi vivida por Júlia Lemmertz, filha de Lílian, 33 anos depois, na novela "Em Família" (2014).

Assim como o autor lançou em "Baila Comigo" a sua primeira Helena, também deu início com esta novela a um perfil de personagem recorrente em sua obra: a garota sem papas na língua, inconveniente, inconsequente, voluntariosa, mimada ou egoísta. Mira Maia, vivida por Lídia Brondi, é a precursora de Joice (Carla Marins) de "História de Amor", Laura (Vivianne Pasmanter) de "Por Amor", Íris (Deborah Secco) de "Laços de Família", Dóris (Regiane Alves) de "Mulheres Apaixonadas" e Isabel (Adriana Birolli) de "Viver a Vida".

Lídia Brondi

O primeiro título pensado pelo autor para sua novela era "Quadrilha", uma referência ao famoso poema de Carlos Drummond de Andrade que canta o amor em cadeia: "João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim…".

AQUI tudo sobre "Baila Comigo": elenco completo, trama, personagens, trilhas sonoras e mais curiosidades.

Fotos: Acervo Globo.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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