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Como explicar o beijo gay da novela das 6 para os filhos? A novela explica!

Nilson Xavier

30/08/2018 07h00

Juliano Laham e Pedro Henrique Müller (foto: reprodução)

Atualizado em 12/09/2018.

Vamos falar de homossexualidade na novela das seis. Sim, "Orgulho e Paixão", uma trama romântica, de época, em um horário, a princípio, visado. Não precisa tirar os filhos da sala para ver a novela – mas respeitemos a classificação indicativa, 12 anos. "Orgulho e Paixão" é a primeira do horário com uma trama romântica envolvendo gays. E tratando o assunto de forma que qualquer criança possa compreender – o sentimento entre duas pessoas do mesmo sexo –  sem apelação ou a pretensão de ser didática ou levantar bandeira.

Talvez a temporada "Viva a Diferença" da Malhação (2017-2018) tenha sido a primeira da novelinha a abordar o tema abertamente e sem melindres ou didatismo. Ou pelo menos a que melhor tocou no assunto. O ápice foi o beijo entre duas garotas. A atração avançou na abordagem e abriu precedente para que outras produções fossem pelo mesmo caminho.

Nunca antes os dilemas da homossexualidade foram trabalhados de maneira tão eficaz em uma novela das seis quanto agora, em "Orgulho e Paixão". Na trama, o jovem Luccino (Juliano Laham), de uma família de simples camponeses, em uma cidadezinha do interior, na década de 1910, sente-se atraído e desperta para a paixão pelo militar Otávio (Pedro Henrique Müller), que corresponde aos seus sentimentos.

Sagaz, o autor Marcos Bernstein inseriu com cuidado a trama em sua novela. Primeiro ele esperou o tempo certo para o público amadurecer a ideia: depois de meses da novela no ar, já com audiência estabelecida. Segundo fez o público gostar dos personagens. Otávio, a princípio, tinha um viés cômico ou estava envolvido em situações cômicas. Era um personagem pequeno, mas agradável.

Pedro Henrique Müller e Juliano Laham (foto: reprodução)

Já Luccino foi apresentado desde o início como um rapaz de boa índole, trabalhador, bom filho e bom irmão. Um personagem "do bem". Sua trajetória foi elaborada de modo que o público acompanhasse com ele a descoberta de seus sentimentos. Primeiro por Mário, em quem Mariana (Chandelly Braz) se travestia. Depois por Otávio. Outro acerto foi a escolha dos atores, pouco conhecidos do grande público e muito bem nos papeis.

Além do texto meticuloso de Bernstein, a produção prima pelo bom gosto da direção (Fred Mayrink e equipe). Foi bonita e cuidadosa toda a sequência do beijo entre Luccino e Otávio, no capítulo desta quarta-feira, 12/09. Texto, direção e elenco na medida certa.

Já critiquei a atemporalidade do texto de "Orgulho e Paixão", em que os personagens, de época, pensam com a cabeça de 2018 (leia AQUI). No caso dos gays da novela, a trama se limita a mostrar os sentimentos dos personagens e seus dramas. Eles vivem os dilemas e renúncias comuns a todos os homossexuais, de todas as épocas – ainda que alguns amigos de Luccino e Otávio aceitem tudo com uma naturalidade bastante contemporânea.

O horário das 18h de novelas é o mais tradicional da TV, haja vista seu público alvo, na maioria donas de casa, crianças e adolescentes. Com bom gosto e cuidado, tateando para não ferir os mais sensíveis ao tema, a novela explica, sem ser didática, por meio de uma trama bem conduzida, romântica e atraente. Com "Orgulho e Paixão", a Globo quebra mais um tabu de sua programação e avança na discussão.

Em tempo: a novela "Sete Vidas" (2015) também apresentou casais homossexuais com uma abordagem muito boa. Porém, referindo-me a "Orgulho e Paixão", trato do desenvolvimento de um personagem gay de forma didática e sutil, de fácil compreensão e alcance.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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