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"Onde Nascem os Fortes" é um ótimo exemplo da mistura de série e novela

Nilson Xavier

16/07/2018 23h15

Fabio Assunção (Foto: reprodução)

Já há algum tempo comenta-se sobre a "serialização das novelas" (*) ou a "novelização das séries", nas quais características de um formato são incorporadas ao outro, apontando para um híbrido. "Avenida Brasil" (2012) foi a primeira novela brasileira a levantar essa bandeira, em um momento em que o mundo se rendia à séries exibidas na TV a cabo – um movimento que teve início nos anos 2000 (a Golden Age) e se perpetua, por meio de canais pagos e serviços de streaming (como a Netflix).

Um passo da Globo para embarcar nessa onda é a reformulação das novelas exibidas na faixa das 23 horas, que desde o ano passado são chamadas de superséries. A nomenclatura ainda causa estranheza. É bom lembrar que produções como "Verdades Secretas", "Liberdade Liberdade", "Os Dias Eram Assim" e "Onde Nascem os Fortes", caso fossem produzidas na década passada, seriam chamadas de minisséries. Ou seja: o nome é mais uma demanda de ajuste ao mercado atual do que de formato.

A narrativa de "Onde Nascem os Fortes" – último capítulo exibido nesta segunda-feira (16/07) – foi a que mais se aproximou da de produções da HBO, Fox ou Netflix. Vejo como um marco nesse processo de "serialização das novelas". Poucos núcleos, ambientes e personagens em uma trama condensada – ok, também características das minisséries. Contudo, uma linguagem marcada por reviravoltas e ótimos ganchos a costurar os episódios – características presentes nas mais badaladas séries do momento (também percebidas em "Avenida Brasil").

Entretanto, "Onde Nascem os Fortes" não abandonou o teor folhetinesco, tão caro aos brasileiros: paternidade desconhecida é um clichê dos mais visitados nas novelas. Trata-se aqui de um case de sucesso da hibridação novela + série. A bem da verdade, as séries lá fora já conversam com o folhetim há muito tempo (novelização das séries). O que são "Dallas" e "Dinastia" senão novelões descarados? A única diferença era a interrupção por temporadas, como nas séries.

Uma questão a considerar é que os Estados Unidos, país que não tem enraizado culturalmente o folhetim em sua produção audiovisual, muitas vezes bebe dessa fonte, sem ter ciência disso ou sem assumir. O povo brasileiro (e o mexicano, o argentino, o venezuleano, o cubano), expert em novelas, reconhece claramente os recursos narrativos folhetinescos em séries de lá.

PS1: As cultuadas séries "A Casa de Papel" e "Merli", exibidas na Netflix, espanholas que são, carregam em sua narrativa todo aquele tempero latino que conhecemos tão bem.
PS2: Conscientemente ou não, voluntariamente ou não, assumindo ou não, a hibridação ocorre em vários países, produtores de novelas ou séries. Ainda: boa fatia da audiência nas TVs e plataformas sob demanda nos Estados Unidos é latina.
PS3: A Turquia, Índia e Coreia de Sul também são mundialmente reconhecidos por suas telenovelas.

Patrícia Pillar, Alice Wegmann, Enrique Diaz, Alexandre Nero, Fabio Assunção (Foto: Estevam Avellar)

"Onde Nascem os Fortes"

Que produção espetacular! Direção (José Luiz Villamarim e equipe), roteiro (Sérgio Goldenberg, George Moura e equipe) e elenco. É muito difícil citar alguns atores e deixar outros de fora só porque tiveram papeis menores na trama ou foram coadjuvantes. Temos aqui um primoroso trabalho de direção de atores, com harmonia e simbiose poucas vezes vistas na televisão.
Leia: "Onde Nascem os Fortes" não deixa nada a desejar às melhores séries da Netflix.

O único senão foi a morosidade da trama no primeiro mês de exibição: ficou a sensação de que houve um start, depois a história andou em círculos por um mês para finalmente deslanchar. A supersérie fecha com uma média geral em torno dos 18 pontos no Ibope da Grande São Paulo. No último mês de exibição, a média foi de 20 pontos (21 nas duas últimas semanas). A média geral poderia ter sido maior, não fosse o período em que a trama empacou e os horários de exibição eram díspares (antes da Copa): dava 15, 16 pontos.
Leia: Com trama lenta, "Onde Nascem os Fortes" não é para os fracos.

Mas nem isso tirou o brilhantismo do projeto e o resultado final.
Texto que escrevi por ocasião da estreia: "Onde Nascem os Fortes" sugere suspense psicológico em "sertão sensorial".
E minha entrevista com Villamarim e George Moura antes da estreia: "Onde Nascem os Fortes" propõe uma imersão profunda no sertão, diz diretor.

(*) A narrativa de toda telenovela é seriada (dividida por capítulos, com ganchos). Tomo a liberdade para chamar de "serialização das novelas" a incorporação de características de séries (o formato) nas telenovelas .

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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