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Do texto à direção e elenco, "Verão 90" parece propositalmente ruim

Nilson Xavier

15/02/2019 07h00

Isabelle Drummond e Rafael Vitti (foto: reprodução)

A história das crianças que fizeram sucesso nos anos 80 com um grupo musical ficou no primeiro capítulo de "Verão 90". A continuidade dessa trama nada tem a ver com o passado de Manu, João e Jerônimo. Curioso que a Globo vendeu sua novela das sete em cima de uma historinha que durou apenas um capítulo. O material promocional dava a entender que "Verão 90" seria como "Samantha!", "Segundo Sol" e "Rock Story", sobre cantores que tentavam voltar à carreira. Nada a ver!

Depois de três semanas, conclui-se que a novela das sete não passa de uma reedição descarada – ou uma caricatura – da clássica "Vale Tudo", disfarçada de "referência" ou "reverência" (homenagem), com alusões a tramas e personagens da novela dos anos 80. Porém, há uma diferença básica entre as duas produções: repleta de crítica social, "Vale Tudo" tinha os pés fincados no realismo, enquanto "Verão 90" nada mais é do que uma comédia bobinha, sem compromisso algum com a realidade, muito menos com crítica social.

Tudo está vários tons acima na trama das sete, da interpretação dos atores ao texto. Não existe nenhum "grande personagem", logo, nenhuma "grande interpretação". Claudia Raia potencializa os tipos cômicos que viveu em novelas passadas. Humberto Martins emula o jeito de falar de Raia. Jesuíta Barbosa, sabidamente um excelente ator, totalmente engessado em cena. E Alexandre Borges repete um tipo já visto várias vezes (por que insistem em um mesmo perfil de personagem para alguns atores?).

Claudia Ohana e Dira Paes (foto: reprodução)

Totia Meireles é uma vilã de novela mexicana, da caracterização à interpretação. Dira Paes, uma mistura de Raquel (Regina Duarte em "Vale Tudo") com Lucimar, a mãe da Morena de "Salve Jorge" (vivida pela própria Dira) – mas não a "mãe-coragem raiz": é mãe de vestido simples, porém sempre incontestavelmente limpo e passado e cabelo arrumado, mesmo quando está desarrumado.

Os bons são bonzinhos demais e os maus são péssimos. Não há meio termo, ou camadas. O texto é raso, direto e de um didatismo irritante. A frase de efeito "É isso que dá ser honesto neste país!" foi dita por Cláudia Ohana duas vezes no mesmo diálogo em um capítulo da semana passada. A proposta da novela não é fazer refletir sobre a honestidade do brasileiro, mas simplesmente entregar uma trama mastigada e previsível com a qual o público irá desopilar, consumir e descartar.

É o que chamo de "novela for dummies" – sem juízo de valor, afinal, a função de toda telenovela é, em primeiro plano, o mero entretenimento. Contudo, mesmo produções despretensiosas podem surpreender ou trazer alguma novidade de trama, direção e interpretação de atores, sem precisar subestimar a inteligência de seu público (ou requentar histórias que todos conhecem sob a desculpa de "referência").

Ainda sobre o termo "referência", fartamente usado para conceituar "Verão 90", são exageradas e gratuitas as indicações aos anos 80-90 (em cenários, moda, músicas, etc). O objetivo é fisgar o público pela nostalgia e memória afetiva. Porém, tudo soa como uma metralhadora desordenada de referências, atiradas para todo lado, sem critério, algumas até fora do contexto da época.

Jesuíta Barbosa e Camila Queiroz (foto: reprodução)

Com qualidade abaixo da comumente atribuída às produções da Globo, "Verão 90" até parece ruim de propósito. No segundo ou terceiro capítulo, uma tempestade era anunciada com barulho de raios e trovões, mas… debaixo de sol. No capítulo de quarta-feira (13/02), a moçada na festa da Pop TV dançava descompassada, fora do ritmo da música de fundo: ficou artificial, alguns até pareciam desanimados. São pequenos detalhes, mas perceptíveis, que uma direção mais cuidadosa deveria se ater.

A trama da novela é ágil e dinâmica, os capítulos são movimentados – a maior qualidade de "Verão 90". Porém, vem às custas de uma direção pouco acurada e um texto bobo, quase infantil. Tony Goes, em sua crítica na Folha, a comparou às novelas do SBT, no que discordei: as produções infantis do SBT são melhores, dentro de sua proposta e do que oferece ao seu público alvo. A despretensão em "Verão 90" apenas parece um pretexto para produção, direção, texto e elenco abaixo da média.

Leia também as opiniões dos colegas
Flávio Ricco: Verão 90 tem todas as condições de surpreender seus principais críticos;
Chico Barney: Sem medo do ridículo, Verão 90 desponta como melhor novela da Globo;
Maurício Stycer: Infantil, Verão 90 é a cara das atuais novelas da Globo;
Cristina Padiglione: "A novela é muito ruim no acabamento e no enredo ficcional";
Tony Goes: Primeiro capítulo de Verão 90 lembrou as novelas infantis do SBT.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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